O ESPELHO TÍMIDO

Por fora o tempo fizera os seus estragos: rugas, olhos, dentes, a timidez frente ao futuro próximo e o sorriso escondido, à cabala.

Dentro, na clausura criadora, ainda está o menino que vai morrer quando não houver mais olhos para ler e/ou ouvidos para escutar e sentir o choro e o riso do poema – sua doce e amada algaravia.

A rigor é o que move os alter egos. Aqueles fetiches que todos os que adentraram em sua nave viajora de fenômenos levam entranhados no espiritual.

À frente, não muito distante, o Letes prepara suas águas para quando eles virarem peixes. Alguns ficarão condenados a permanecer nas margens por não terem sido coniventes com a arte dos sortilégios.

– Tenho treinado muito a natação para estar pronto e vencer o temor insano de ágeis correntezas, diz o surdo-mudo. E espadana-se nas quentes águas da linda piscina de borbulhar vermelho que nem boca de sangria...

Solerte, a cada nascer e morrer do sol, a sombra sobre o caminho é uma tatuagem sobre o visto, lido, vivido, sentido.

– Do livro A VERTENTE INSENSATA, 2017.

http://www.recantodasletras.com.br/minicontos/6076286