A estação do Cajú
Cresci à sombra dos cajueiros. Vendo o sol bater nas folhas. De pés descalços sentindo o chão coberto de folhas secas. Folhas do tamanho das minhas mãos finas e pequenas. Crepitavam quando eu passava correndo atrás dos animais ou quando procurava as castanhas dos cajús que os bichos deixavam entre elas pelo caminho. Os pés ardiam feridos pelos carrapichos, mas nada doía, só uma grande satisfação crescia dentro de mim. Uma comunhão de estar em natureza. Eu sou parte de tudo isso. Os ancestrais conversam, como os cajueiros conversam uns com os outros. As folhas rígidas trazem o cheiro de seiva verde. O perfume das árvores vinha com o vento do final de tarde. É verão e junto com o canto das cigarras, as capoeiras quentes e secas, mas quando chega a estação do cajú, setembro floresce e verdeja. A chuva do cajú é esperada e quando chove, é uma chuva com sol, as flores dos cajueiros desabrocham e com o vento se sente o perfume agridoce do cajú anunciando a chegada dessa estação, que se estende até outubro. Só um pouco de água, terra seca e sol e essas árvores majestosas e frondosas se destacam pelo seu verde em meio à mata seca. É um ponto verde em meio a tudo. É uma esperança grande. Lá embaixo das rebanceiras espelha os reflexos do rio. Os troncos do cajueiros é uma fonte de diversão e por eles eu caminhava sem medo, se balançava nos galhos baixos e deles pulava. Cada cajueiro tinha uma história. Eram como as pessoas que a gente conhece, cada um tinha um jeito diferente e os frutos também eram de sabor diferente. Cajú amarelo era mais doce e maior, caju vermelho ou maçã mais rançoso e os cajus bem pequenos eram doces como o mel. Ah esses sim eram os melhores. Depois que a vó subia e derrubava com a vara muitos frutos, eu esperava a chuva de cajú em baixo e vez ou outra ela derrubava um que caia em cima da minha cabeça sem que eu esperasse ou pudesse ver, ja era tarde... e só precebia que era uma brincadeira quando surpreendida vinha com aquele cajú uma risada dela lá de cima, enquanto eu colhia os outros e tentava entender o que havia acontecido. Então eu ria também daquela pequena injustiça. Depois de juntar os cajús, retiravámos as castanhas e espetavámos nos cipós e desciámos a rebanceira pra lavá-los no Rio. Depois de tirado o leite dos cajús frescos tomava um banho de Rio para aliviar os arranhões daquele dia. Depois de volta para casa, cozinhavam o cajú e apuravam o doce e colocávamos as castanhas no sol. E assim até depois da estação tinha doce guardado e sacos de castanhas para assar.