O Tempo de Uma Vida

Os raios monocromáticos me atingiram com um vigor diferente naquela manhã. Uma euforia renovada girava ao meu redor, como um tornado de feições alegres, sorridentes, resignadas... Talvez fosse o último dia de minha vida, mas não perderia mais tempo refletindo sobre isso do que aproveitando. Joguei os problemas e as dores para o ar e me lancei de cabeça, ciente da agonia do esmagamento da queda.

Não senti a dor que me acometia pela manhã, e o espaço vazio do membro agora me parecia preenchido novamente. Pude andar de cabeça erguida outra vez, com olhos ávidos, felizes e ao mesmo tempo tristes, mirando cada movimento meu.

Senti-me em uma casa de espelhos, sendo refletido milhares e milhares de vezes. De escalas minúsculas até o gigantismo, onde meu torso avançava através das nuvens e asas brotavam de minhas costas. Pude até mesmo sentir o sabor da chuva nas nuvens e do néctar celestial, e ainda andar por um campo floreado que se estendia até o infinito, sentido a grama roçando a pele e a terra adentrando entre os dedos.

Acordei dos devaneios com um cheiro diferente embrenhado em minhas poderosas narinas. A carne ainda quente enquanto devorava se desfazia na boca. Quando percebi, não havia sobrado nem migalhas.

Tocando, lá no fundo da alma, pude ouvir as risadas, brincar como nunca havia brincado antes, viver a vida que me foi privada desde o início. A doença se alastrou tão de repente que não pude nem mesmo aguentar o primeiro round. Foi nocaute na certa. Deitado no chão por todos esses anos esperava apenas o décimo número da contagem ser anunciado.

Mas ainda assim, eu vivi, Eu sorri, me embraveci, tentei correr, me molhar...

Cada novo dia era mais do que uma luta. Era uma batalha inteira, onde meu exército diminuía aos poucos. E agora, estou sozinho por uma última vez.

Penso tudo isso enquanto observo o fio de prata que guarda minha morte. O líquido ainda preenchendo o recipiente é tão discreto que eu tomaria achando que fosse água.

Hoje senti o amor, e a dor nada mais foi do que uma longínqua lembrança. O tumor crescera tanto que nem mesmo achava espaço para continuar a se desenvolver.

E agora, de frente para minha solução, escuto o último número ser contado. Ouço gritos e euforia. Crianças brincando ao longe, pássaros voando ao vento, o bailar das folhas de primavera... há choros e lágrimas, há dor e tristeza, mas nada disso vem de mim. Quero apenas colocar um sorriso no rosto e descansar o que não pude. Vejo vocês em breve...
 
Sempre, Duke.
Jefferson Lemos
Enviado por Jefferson Lemos em 17/07/2014
Reeditado em 17/07/2014
Código do texto: T4886171
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