Velocidade

Desde os tempos de criança tinha uma pressa obsessiva em ser sempre o primeiro. Provas e tarefas escolares entregava-as muito antes da turma e, tempos depois, no trabalho, tornou-se célebre (e famigerado) por ser um contumaz antecipador de prazos. Aos que diziam ser “a pressa inimiga da perfeição”, respondia que a perfeição tinha suas razões para tanta inveja da pressa.

Com o avanço da informática e das novas tecnologias, sentiu-se compelido a estar sempre à frente da máquina, e passou a imprimir tanta velocidade a seus atos, que aqueles que com ele conviviam tinham a sensação de estar diante de alguém que se debate afogado.

Seu andar era tão apressado que colegas inventavam desculpas para não acompanhá-lo nos trajetos, e ao comer sequer distinguia o sabor dos alimentos. Certa vez, após um prato de dobradinha, cumprimentou o cozinheiro pela bela bacalhoada.

Aos quarenta anos passou a ter pesadelos e a incômoda impressão de que nada tinha alcançado. Assim, aumentando ainda mais o ritmo intenso de sua rotina, não apenas teve a carteira de motorista cassada, como por três vezes quase foi atropelado.

Antes de completar cinquenta, finalmente logrou um grande feito: fulminado por um infarto na mesa de trabalho, foi o primeiro ser humano na história a antecipar em mais de duas décadas o compromisso marcado com a morte.