Inocência

Dois mil anos atrás, deserto. Um judeu sem beleza nem formosura, de roupas sujas e enormes mãos calejadas caminha sozinho. Para na isolada casa de uma família árabe onde um garoto, de olhos fechados, tenta matar formigas com um graveto. Pede-lhe um pouco de água, e se surpreende com a resposta súbita: não.

- Por quê?

- Minha mãe caminha muito, todos os dias, para pegar água para nós dois. Não posso dar a qualquer um que chega pedindo.

O homem compreendeu, mas perguntou-lhe por que estava matando as formigas.

- Porque eu sou grande e forte!

- E se Deus resolvesse fazer a mesma coisa?

Diante de tal questionamento, o garoto parou, pensou e respondeu:

- Mas Ele já fez isso!

O homem miserável deu uma risadinha e explicou que Deus sempre teve boas razões para fazer coisas desse tipo. O garoto ouviu tudo atentamente.

- Olha, eu tenho alguns amigos que estão me procurando. - Concluiu o homem. - Mas preciso de um tempo sozinho. Se alguém te perguntar, pode dizer que ninguém passou por aqui?

- Não.

- Por quê?

- Porque mentir é muito feio.

Ele nunca mentia. Nunca.

- Você acredita que Deus pode curar sua cegueira? - Perguntou o homem, abalando o menino pela primeira vez.

- Sim, claro!

- Então abra os olhos.

Quando o garoto obedeceu, enxergou. Sua vista ardeu um pouco e sua visão ficou embaçada, mas em poucos segundos já podia enxergar perfeitamente. O homem desapareceu antes que ele o visse. Meia-hora depois, uma multidão de judeus se aproximou. O garoto continuava matando suas formigas, agora de olhos abertos.

- Menino, você viu um homem assim e assim passar por aqui?

- Não, eu não vi ninguém. - Ele respondeu, com um sorriso maroto na face e a inocência brilhando nos olhos.