microconto-UM LUGAR PARA MORRER
Era questão de tempo. Três dias, não passaria disso, segundo o doutor Félix. Então, pensou que lhe restavam 72 horas para a morte.
Ela precisava encontrar um lugar para morrer.
Tinha câncer terminal no exôfago e, cheia de dinheiro (tinha juntado 3 milhões, nos últimos quinze anos, como juíza de direito), pensava onde iria viver os últimos dias.
Roma? Era linda, lá morrerá grandes homens, até santos. Sim, o apóstolo Paulo, apelou a Cezar pra morrer lá!
Bom lugar!
Mas, lembrou-se de algo: como santo, ele fora pra lá por causa do evangelho. Ela não. Iria por outra causa.
Não, seria mesquinho demais.
Entao, onde, meu Deus do céu???
Lembrou-se do rosto seco e cigarrento do doutor Félix. A boca pequena, mas cheia de verdades: viva as últimas horas como nunca!
O que ele queria dizer com aquilo?
Naquele momento lhe pareceu tão simples, porém, agora...
O que seria viver? Nada lhe vinha à memória.
(Minha família. Minha irmã mais velha e minha mãe. As duas são unha e carne. Elas nem precisaram de mim, quanto mais saber que vou morrer).
Ninguém, ninguém.
Ela ligou o carro. A chuva tinha aumentado. A água gelada da chuva ensopou sua calça social.
Ela sorriu, fechando a janela.
Já sabia o que fazer.
O frio, sim, o frio.
Viajaria ao pólo norte. Sim, era lá que descobriria como os esquecidos vivem.
Era lá que encontraria a própria alma e, afinal, quem sabe, pudesse encontrar Deus.
Afinal, lá estariam a verdade (em si mesma) a beleza (as gigantes geleiras) e a ...
bondade. Ah, essa grande dádiva divina de poder se encontrar!