O amigo neopentecostal

Jarbas penteou a barba preta, diante do espelho. Sorriu. Tinha muita personalidade ali. Meses e meses de trabalhão, de cuidado. Transpareceria, agora que tingira seus pelos com a tinta negra, um ar de mais cuidado ainda. Era metódico, quase subliminar.

Após ajeitar delicadamente as meias cano alto, bicolores e a gravata borboleta, conferiu se a calça estava bem posicionada nos glúteos. Sim, perfeito seu gentleman. Afinal um negrão assim, precisa ser cuidadoso no “pompom”.

Partiria para a igreja, de uber, porém não antes de tomar um belo banho do perfume importado que quase lhe custara metade do salário desse mês. “É Dolce & Gabanna, poderoso, como você, meu amigo”, disse, apertando os olhos e inclinando levemente o rosto, ao espelho maior.

Como sempre, chegara antes de todos ao culto, se orgulhava desse feito. “Sou um exemplo! Afinal, todos olham pra mim!”.

-Oi, Jarbas! –Ele se virou, Felipe, um amigo do serviço estava passando pela rua e o encontrou defronte à porta da igreja, portões fechados, aguardando o diácono que estaria dentro do templo terminando de acender as luzes, abri-lo.

-Olá, molecão! –Disse Jarbas – Que bom velo por aqui!

-Tá congregando nessa igreja?

-Sim, claro.

-Hum –Disse Felipe, coçando a cabeça. (Mas, ela é uma igreja neo-pentecostal – Bem, mas não iria dizer nada. O amigo estava tão arrumadinho e consciente de si que não falaria nada). Então arremeteu:

-Beleza, outra hora a gente se fala!

-Beleza meu amigo, um abraço!

Felipe voltou para casa. Seu amigo Jarbas não lhe saia da cabeça. Por quê havia se entregado aquela coisa de igreja neopentecostal? Por quê não teria adotado um estilo de culto mais clássico? Então olhou sua estante de livros, tomando sua parede. À direita, mais acima, estavam seus livros de teologia de editoras mais clássicas. Ele se aproximou deles o apertou nas duas mãos com força e fechou os olhos. Vários ensinos voltavam à sua mente, da época que era professor de escola dominical numa igreja clássica. (Precisava voltar à ativa. Mas o que faria, se havia se desiludido com o sistema da igreja em que congregava?)

Deixou o livro em cima da mesa. Partiu para o quarto, caiu de joelhos junto à cama e começou a chorar feito bebê.

-Perdoe-me! Perdoe-me. Estou afastado de ti. Obrigado, por usar um servo, ainda que todo diferente e estranho para despertar em mim novamente o senso do correto. (Felipe estava decidido. Era domingo. Voltaria aos cultos, como ouvinte. Teria muito o que aprender, antes de ensinar).

Alexandre Scarpa
Enviado por Alexandre Scarpa em 24/09/2018
Código do texto: T6457933
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.