Sois de Cristo e Cristo é de Deus
(Reflexões baseadas em: Levítico 19,1-2.17-18; 1 Coríntios 3,16-23; Mateus 5,38-48)
Hoje Jesus faz algumas afirmações que podem desconcertar algumas pessoas. São, no mínimo, intrigantes. Principalmente em relação à resposta aos malvados (Mt 5,38-48).
Dá até a impressão que Jesus tem bons olhos para com o malandro! Dá a impressão que Jesus quer que a gente passe por medroso, incapaz de enfrentar as agressões…
Será que realmente é pra deixar as coisas correrem, sem reação? Deixar o malvado levar vantagem? Quer dizer que em vez de reagir, deve-se entrar em sua “onda” da maldade?
Notemos que Paulo não é diferente (1 Cor 3,16-23). Propõe abrir mão da sabedoria, dizendo que essa sabedoria é insensatez… Se os nossos saberes são insensatez, em que consiste a sabedoria? Será que nossos saberes realmente são inúteis?
E, pra complicar ainda mais, o Levítico (19,1-2.17-18) vem dizendo que não devemos nos ocupar com vingança!
Onde vamos parar com isso?
Na verdade não vamos parar! Vamos é entrar no coração da mensagem cristã. Mensagem que consiste não em responder o mal com o mal; não em dar o troco, pela ofensa ou mal recebidos; não em alimentar o ódio, a ira, o sentimento agressivo… pelo contrário.
Por que? Porque se respondermos na mesma proporção, pagando a agressão com outra agressão, estaremos descendo ao nível do agressor.
A proposta, que vem de Deus, é dar um passo adiante, ir além. Se queremos uma sociedade de paz, amor, prosperidade, solidariedade… precisamos dar passos nessa direção.
Nisso consiste a verdadeira sabedoria. Não é sábio quem se limita a repetir os valores cotidianos! Não é sábio quem, ao ser agredido, reage com outra agressão! Não é sábio guardar rancor ou alimentar a sede de vingança! E, também, não se trata de ser conivente com o mal, mas de abrir espaço para o perdão àquele que se arrepende do mal praticado.
Mas por que isso? Por que perdoar, o maldoso, se fez tanto mal? Porque é esse o princípio das coisas de Deus. Veja o que Paulo diz à comunidade de Corinto: “Acaso não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus mora em vós?” (1Cor 3,16).
Qual o significado disso? Cada pessoa é um ser onde Deus faz sua morada. E isso implica dizer que toda agressão é uma agressão ao próprio Deus que ali reside. Se reagimos a uma agressão com outra, além de descermos ao nível do agressor, estaremos agredindo o Espírito de Deus que vive naquela pessoa… mesmo esse agressor não se dando conta disso. Trata-se de combater o mal, sim, com todas as forças… mas oferecer misericórdia para com aquele que se arrepende do mal praticado… e não se trata apenas de dizer que está arrependido. Trata-se de corrigir o mal feito! Falar que está arrependido sem nada fazer para reparar o mal feito, não é arrependimento!
E o apóstolo diz mais. Não vale a pena buscar a glória mundana, que é vã, pois é passageira. Não vale a pena buscar nada que ostente e seja só aparência, pois o que realmente importa já nos pertence. “Tudo vos pertence”, ele afirma. E diz isso de forma magistral, afirmando que tudo nos pertence, mas nós pertencemos a Deus “o mundo, a vida, a morte, o presente, o futuro; tudo é vosso, mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus” (1Cor 3,22-23).
Sendo assim não tem sentido entrar em atrito, buscar vingança, causar dor e violência. Ao fazer isso, nos equiparamos ao agressor, agredimos a nós mesmos e agredimos aquilo que a Deus pertence… sem levar em conta o fato de que o importante já é nosso!
Então qual é o sentido de oferecer a outra face e entregar o manto, como ensina Jesus?
Trata-se de uma denúncia! Trata-se de mostrar que as pessoas não estão valorizando o que possuem. A agressão é a afirmação da desvalorização do outro: quem ama não agride. Pode até se irritar com atos da pessoa amada, mas busca o diálogo para resolver a contenda. Quem deseja tomar o que ao outro pertence não valoriza o que possui. Valoriza e apega-se ao que é do outro sem valorizar o que é seu! Vive insatisfeito e por isso não é feliz: não é feliz com o que já tem e constrói infelicidade porque quer tirar o que ao outro pertence!
O passo além, que Jesus cobra de nós, é ultrapassar o gesto que todos fazem. É fazer aquilo que ultrapassa as convenções. É fazer algo que provoca a indagação sobre o porquê daquilo estar sendo feito. Cumprir as convenções, agir como todos agem, dizer o que todos querem que seja dito … não tem mérito nenhum. É só formalidade ou falta de personalidade!
Ao cristão, Jesus de Nazaré lança o desafio: ir além! E por qual motivo? Porque não nos pertencemos. Somos de Cristo. E, como Cristo é de Deus, somos a obra prima do Criador!
Neri de Paula Carneiro.
Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador