Médico bêbado
“Há uma geração que é pura aos seus próprios olhos; mas, que nunca foi lavada da sua imundícia.” Prov 30; 12
Uma pecha atual mui difundida é chamar alguém de, sem noção. Se, atribuímos isso a um qualquer, que, mal avalia ações, palavras, quiçá, as consequências dessas, a Palavra de Deus expande a coisa de modo a atingir toda uma geração. Presunção de pureza disfarçando imundície.
De onde se origina tamanha distorção? Ocorre-me uma frase de Henry Lacordaire: “O homem justo é honrado mede os seus direitos com a régua dos seus deveres.” Parece que o dito cujo é bom nesse negócio de ter noção.
Entretanto, a geração aludida nos Provérbios combina mais com a máxima de Charles Talley-Rand: "O mais lucrativo dos comércios seria comprar os homens pelo que valem e vendê-los pelo que pensam que valem." O fato é que somos mui indulgentes para com nossas falhas enquanto, severos com as alheias.
A medicina age e receita medicamentos em função de um diagnóstico; esse deriva da leitura perspicaz dos sintomas. A alma enferma deveria saber ler esses indícios, caso, não fosse desprovida de noção. Muitos cometem coisas abjetas e jactam-se: “Durmo com a consciência tranquila.”
Nesses casos, a consciência que está para a alma como o médico para o corpo, jaz cauterizada, entorpecida. Se alguém se submetesse à “análise” de um médico bêbado, não deveria estranhar se, o tratamento agravasse invés de sanar eventual doença. De igual modo, confiar no testemunho de uma consciência que, de tão habituada à mesquinhez não sabe mais a diferença entre egoísmo insano e bom caráter.
Nossos caracteres não são corretamente mensurados em tempos de calmaria; antes, nos de revezes quando as coisas vão mal. A presumida integridade de tempo bom pode esvair-se ao assolar uma tempestade.
Fiz pequena reforma em parte da casa, trocando o assoalho antigo por novo. Aparentemente nada de errado havia com o velho; parecia suster tantos quantos coubessem no ambiente. Acontece que, fora atacado por cupins em tempos idos. Meu falecido pai estancara a praga, mas, o dano feito permaneceu na madeira. Mesmo parecendo íntegro num olhar superficial, não consegui tirar nenhuma tábua inteira; todas quebraram ao esforço da ferramenta, pois, sua inteireza era aparente; muitas tábuas, sequer, para lenha prestaram.
Assim se passa com muitas almas que ostentam presumido caráter mas, fraquejam vergonhosamente à menor pressão da adversidade. Dessas dolorosas descobertas que vertem máximas como: “A ocasião faz o ladrão.” Na verdade não faz; é só o “Pé de cabra” que acaba revelando o dano dos cupins da cobiça.
A excelência do caráter de Jó foi revelada aos homens em meio a imensas agruras. Em seus dias prósperos só era visível ao Eterno. Sabendo de qual “matéria-prima” Seu servo era feito O Santo permitiu que fosse testado às últimas conseqüências.
Entretanto, aquilo que é patente ao Criador, muitas vezes nos está oculto. Assim, permite que sejamos testados para que outros, e sobretudo, nós, saibamos quais valores repousam em nossas almas.
Isso quanto aos que professam crer no Senhor. Os que estão espiritualmente mortos a preocupação primeira do Senhor é trazê-los à vida.
Aos que afirmam Crer em Jesus resta uma prova de fogo, como ensina Paulo: “Porque ninguém pode pôr outro fundamento além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo. Se, alguém, sobre este fundamento formar um edifício de ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha, a obra de cada um se manifestará; na verdade o dia a declarará; porque pelo fogo será descoberta; o fogo provará qual seja a obra de cada um.” I Cor 3; 11 a 13
Então, não basta temos a consciência em silêncio; antes, que esteja viva, mesmo que, eventualmente, nos acuse de erros. Que valor há no silêncio de um morto?
Claro que é fácil sermos “puros” aos nossos próprios olhos; mas, nosso padrão de pureza é outro; “Quem rejeitar a mim e não receber as minhas palavras, já tem quem o julgue; a palavra que tenho pregado; essa o há de julgar no último dia.” Jo 12; 48
Enfim, pureza aos olhos Divinos necessariamente deriva dos preceitos da Sua palavra, como disse o salmista: “Com que purificará o jovem o seu caminho? Observando-o conforme a Tua Palavra.” Sal 119; 9
Concluindo; pouco importa se gostamos disso ou daquilo, e nada vemos de mal em determinada postura. Se colidir com os ensinos da Palavra é imundo aos olhos do Santo. “Tu és tão puro de olhos que não podes ver o mal, a opressão não podes contemplar...” Hc 1; 13
Muitas gerações abraçaram a perfídia, a violência, a luxúria; mas, nenhuma tanto quanto essa; seja nossa, pois, a advertência de Pedro: “Salvai-vos dessa geração perversa...”