Comentário de João 5.25

Por João Calvino

“Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora e já chegou, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem viverão.” (João 5.25)

“Em verdade, em verdade”. Quando o evangelista representa o Filho de Deus como jurando tão frequentemente em referência à nossa salvação, daí percebemos, em primeiro lugar, como ele deseja ansiosamente o nosso bem-estar, e depois, de quão grande importância é que a fé do Evangelho deva ser profundamente fixada e completamente confirmada. A declaração tem de fato alguma aparência de ser incrível, quando nos dizem que este é o efeito da fé, da qual Cristo fala; e, portanto, ele confirma por um juramento de que a voz do seu Evangelho tem tal poder de dar vida que é poderoso para ressuscitar os mortos É de consenso geral que ele fala da morte espiritual; porque aqueles que aplicam esta passagem a Lázaro (João 11.44), e ao filho da viúva de Naim (Lucas 7.15), e a outros casos semelhantes, são refutados pelo que se segue. Primeiro, Cristo mostra que estamos todos mortos antes que ele nos vivifique; e, portanto, é evidente que toda a natureza do homem necessita da salvação.

Cristo declara que estamos totalmente condenados à morte. E, de fato, assim temos estado, desde a rebelião do primeiro homem, alienado de Deus pelo pecado, todos os que não reconhecem que eles estão sobrecarregados com a destruição eterna nada mais do que enganam a si mesmos com lisonjas vazias. Eu prontamente reconheço que na alma do homem continua a existir algum resquício de vida; pois o entendimento, o julgamento, e a vontade, e todos os nossos sentidos, são partes da vida; mas como não há nenhuma parte que se eleve para desejar a forma de vida celestial, não precisamos nos surpreender se o homem todo, no que concerne ao reino de Deus, é considerado morto. E essa morte Paulo explica mais detalhadamente quando, ele diz, que estamos alienados da pura e sadia razão do entendimento, que somos inimigos de Deus, e nos opomos à sua justiça, em cada afeto do nosso coração; que vagueamos em escuridão, como cegos, e nos entregamos a paixões más (Efésios 2.1; 4.17). Se uma natureza tão corrompida não tem poder de desejar a justiça, segue-se que a vida de Deus está apagada em nós.

Assim, a graça de Cristo é uma verdadeira ressurreição da morte. Agora, esta graça nos é conferida pelo Evangelho; não que tanta energia seja possuída pela voz externa, a qual em muitos casos atinge os ouvidos sem propósito, mas porque Cristo fala aos nossos corações interiormente pelo seu Espírito, para que possamos receber pela fé a vida que nos é oferecida. Porque ele não fala indiscriminadamente de todos os mortos, mas se refere aos eleitos somente, cujos ouvidos Deus penetra e abre, para que possam receber a voz de seu Filho, que lhes restitui a vida. Esta dupla graça, de fato, Cristo expressamente nos garante por suas palavras, quando diz: “os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem viverão.”; pois não é menos contrário à natureza que os mortos devam ouvir, do que eles devam ser trazidos de volta para a vida que eles tinham perdido; e, portanto, ambos procedem do poder secreto de Deus.

“Mas a hora vem, e é agora”. Assim, Cristo fala disto como uma coisa que nunca tinha antes acontecido; e, de fato, a proclamação do Evangelho foi uma nova e repentina ressurreição do mundo. Mas a palavra de Deus não fez sempre isso, a saber, dar vida aos homens? Esta questão pode ser facilmente respondida. A doutrina da Lei e os Profetas foi dirigida ao povo de Deus e, consequentemente, deve ter tido um pouco a intenção de preservar a vida daqueles que eram os filhos de Deus do que para trazê-los de volta à morte. Mas foi o contrário com o Evangelho, pelo qual as nações anteriormente distantes do reino de Deus, separadas de Deus, e privadas de toda a esperança de salvação, foram convidadas a se tornarem participantes da vida.

Traduzido e adaptado por Silvio Dutra.

João Calvino
Enviado por Silvio Dutra Alves em 02/10/2014
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