Comentário de João 1.5
Por João Calvino
“A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela.” (João 1.5)
“E a luz resplandece nas trevas”. Pode ser objetado que as passagens da Escritura em que os homens são chamados de cegos são tão numerosas e que a cegueira pela qual eles são condenados, é muito bem conhecida. Pois em todas as suas faculdades de raciocínio eles miseravelmente falham. Como com isto há tantos labirintos de erros do mundo, senão porque os homens, por sua própria orientação, são levados apenas a vaidade e mentiras? Mas se nenhuma luz aparece nos homens, aquele testemunho da divindade de Cristo, que o Evangelista recentemente mencionou, é destruído; pois este é o terceiro passo, como já disse, que na vida dos homens, há algo mais excelente do que movimento e respiração. O evangelista antecipa essa pergunta, e em primeiro lugar, estabelece essa cautela, que a luz que foi originalmente concedida a homens não deve ser estimada pela sua presente condição; porque nesta corrompida e degenerada natureza a luz tem sido transformada em trevas. E, no entanto, ele afirma que a luz da compreensão não é inteiramente extinta; porque, em meio à espessa escuridão da mente humana, algumas faíscas restantes da luz ainda brilham.
Meus leitores agora entendem que esta frase contém duas cláusulas; pois ele diz que os homens estão agora amplamente distantes daquela natureza perfeitamente santa com que foram dotados originalmente; porque a sua compreensão, que deveria ter lançado luz em todas as direções, está mergulhada em escuridão, e está miseravelmente cega; e que, portanto, da glória de Cristo pode ser dito estar obscurecida em meio a essa corrupção da natureza. Mas, por outro lado, o evangelista afirma que, no meio da escuridão ainda existem alguns restos de luz, que mostram, em algum grau o poder divino de Cristo. O evangelista admite, portanto, que a mente do homem está cegada; de modo que pode ser justamente coberta com a escuridão. Pois ele pode ter usado um termo mais ameno, e poderia ter dito que a luz é escura ou turva; mas ele preferiu afirmar mais claramente como a nossa condição miserável tornou-se desde a queda do primeiro homem. A afirmação de que a luz resplandece nas trevas não é em tudo destinada para recomendar a natureza depravada, mas sim para tirar toda desculpa para a ignorância.
“E as trevas não a compreenderam”. Embora essa pequena medida de luz, ainda permaneça em nós, o Filho de Deus tem sempre convidado os homens a si mesmo, mas ainda o evangelista diz que isto não apresentou qualquer vantagem, porque vendo, eles não enxergam (Mateus 13.13). Pois desde que o homem perdeu o favor de Deus, sua mente está tão completamente dominada pela escravidão da ignorância, que qualquer parte da luz que permanece nele é misturada e inútil. Isto é provado pela experiência diária; porque todos que não são regenerados pelo Espírito de Deus possuem alguma razão, e esta é uma prova inegável de que o homem foi feito não somente para respirar, mas para ter entendimento. Mas por aquela orientação de sua razão eles não vieram a Deus, e nem sequer se aproximaram dele; de modo que todo o seu entendimento é nada mais do que mera vaidade. Daí segue-se que não há esperança de salvação dos homens, a não ser que Deus conceda novos auxílios; porque embora o Filho de Deus derrame sua luz sobre eles, eles estão tão cegos que não entendem de onde essa luz provém, mas são levados por imaginações tolas e iníquas à loucura absoluta.
A luz que ainda habita na natureza corrompida consiste principalmente de duas partes; porque, em primeiro lugar, todos os homens possuem naturalmente uma parte da semente da religião; e, em segundo lugar, a distinção entre o bem e o mal está gravada em suas consciências. Mas quais são os frutos que, em última instância brotam, exceto que a religião degenera em mil monstros de superstição, e a consciência perverte cada decisão, de modo a confundir vício com virtude? Em suma, a razão natural nunca vai dirigir os homens a Cristo; e assim, serem dotados com prudência para regular suas vidas, ou nascidos para cultivar as artes liberais e ciências, tudo isso perece sem oferecer qualquer vantagem.
Deve ser entendido que o evangelista fala de dons naturais apenas, e não se refere ainda a qualquer coisa sobre a graça da regeneração. Pois há dois poderes distintos que pertencem ao Filho de Deus: o primeiro, o que se manifesta na estrutura do mundo e a ordem da natureza; e o segundo, pelo qual ele renova e restaura a natureza caída. Como ele é o Logos eterno de Deus, por ele o mundo foi feito; pelo seu poder todas as coisas continuam a possuir a vida que, uma vez foi recebida; o homem foi especialmente dotado de um dom extraordinário de entendimento; e que por sua rebelião, ele perdeu a luz da compreensão, mas ele ainda vê e compreende, de modo que o que possui naturalmente a partir da graça do Filho de Deus não é totalmente destruído. Mas desde que por sua insensatez e perversidade ele escurece a luz que ainda habita nele, isto permanece que um novo ofício é realizado pelo Filho de Deus, o ofício de Mediador, para renovar, pelo Espírito de regeneração, o homem que tinha sido arruinado. Portanto, raciocinam absurda e inconclusivamente, aquelas pessoas que se referem a esta luz, que o evangelista menciona, como sendo o evangelho e a doutrina da salvação.
Traduzido e adaptado por Silvio Dutra.
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