Entre a cruz e a pedrada

“Homens de dura cerviz, incircuncisos de coração e ouvido, vós sempre resistis ao Espírito Santo; sois como vossos pais. A qual dos profetas não perseguiram eles? Até mataram os que anteriormente anunciaram a vinda do Justo, do qual vós agora fostes traidores e homicidas;” Atos 7; 52 e 53

Em sua ousada diatribe Estevão acusou aos antepassados de sua audiência de assassinos de profetas; aos próprios, de homicidas do Justo, Jesus Cristo. Parece que a morte como método de solucionar diferenças vinha de pai para filho. Tanto que, o mesmo Estevão provou essa dura “solução”; quando sua mensagem se consistiu num problema, recorreram ao método de sempre; apedrejaram-no até à morte.

Certo que fora prescrita essa pena para alguns casos, como, adultério, feitiçaria, blasfêmia; Contudo, nenhum dos exemplos evocados se encaixava então.

Um pouco antes, o “julgamento” de Cristo foi mera encenação, como certa CPI; tanto que, antes de darem direito de defesa, ouvirem testemunhas, etc. Pediram que Pilatos sentenciasse; pois, hipocritamente sustentaram que lhes não era lícito matar; assim, a dosimetria da pena estava dada antes do julgamento. “… Levai-o vós, e julgai-o segundo vossa lei. Disseram-lhe então os judeus: A nós não nos é lícito matar pessoa alguma.” Jo 18; 31

O que fizeram com Estevão, uns poucos dias depois, mostra quão hipócritas eram. Acontece que ao aceitarmos certas coisas em nossos corações, mais dia menos dia, as teremos vertendo das ações. Para Deus, aliás, a morte no coração é já, assassinato. “Qualquer que odeia a seu irmão é homicida. E vós sabeis que nenhum homicida tem a vida eterna permanecendo nele.” I Jo 3; 15

A alma que originalmente seria seguidora do Espírito, após a queda se fez serviçal das comichões do corpo. Então, os reclames pela justiça, “fazer o bem” na linguagem paulina, sucumbem à força da inclinação pelo mal. Invés de ter por parte da vida tal pendor, ( Paulo ) corretamente definiu como veículo da morte. “Acho então esta lei em mim, que, quando quero fazer o bem, o mal está comigo … Miserável homem que sou! quem me livrará do corpo desta morte?” Rom 7; 21 e 24

O “resolver” nossos problemas matando tem vício de origem; o pressuposto de que os males residem fora de nós, no outro. Assim, algo ou alguém nos incomoda, morte. Muitos fundamentalistas estão “resolvendo” assim, o “problema” dos que se recusam aderir ao Islã.

O caso da mulher adúltera de João 8 ilustra bem a doença moral que é a hipocrisia humana. Mesmo a Lei dizendo que ambos os envolvidos em adultério deveriam ser apedrejados, trouxeram apenas a mulher. Se outro pecado não tivessem, triam este; de serem parciais em aplicar a Lei, o que estava patente. Desse modo, o Salvador “autorizou” a execução. “…Aquele que dentre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela.” Jo 8; 7

Uma vez na vida foram desafiados a redirecionar a luneta que vasculha problemas; pisaram no freio dos seus juízos temerários. “Quando ouviram isto, redarguidos da consciência saíram um a um, a começar pelos mais velhos até aos últimos; ficou só Jesus e a mulher que estava no meio.” V 9

Muitos usam mal essa passagem ao dizer: “atire a primeira pedra quem não tem pecado”; como se isso fosse uma licença para pecar. Não, apenas uma advertência para cuidarmos mais dos nossos erros, que, dos outros.

Alguns blasfemam; fazem uso perverso da expressão: “Nem eu te condeno” do Mestre como se isso significasse que Ele também tinha pecados. Não. Apenas, (como disse noutra parte) não viera julgar, mas, para salvar.

Virá outra vez pra Julgar, aí veremos quais Seus “Pecados”. “… oferecendo-se uma vez para tirar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que O esperam para salvação.” Heb 9; 28

Sabendo que nossos problemas são mesmo nossos, desafiou quem O quisesse seguir, a matar o culpado que atrapalha a salvação, o ego. “Dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, negue a si mesmo, tome cada dia sua cruz, e siga-me.” Luc 9; 23

Ninguém psicologicamente sadio cuidará de seu pátio cortando a grama do vizinho; antes, cortará do seu. Mas, as almas mal sãs tendem a isso. Desejar que os outros mudem; porfiar por isso, enquanto recusam a dar um passo sequer em direção ao problema que devem enfrentar. O “si mesmo”.

Indiferença, zombaria, ceticismo, fuga … há vários meios de “apedrejarmos” aos “Estevãos” que nos incomodam.

Alguns acusam outros de pretérito nefasto que se converteram de se esconderem atrás da Bíblia. Mal sabem que se escondem após Cristo; talvez desconfiem que aceitar a cruz não é coisa para covardes. Covardes preferem matar aos outros …