A Mortificação da Carne
Por João Calvino
A mortificação da carne e a vivificação do Espírito resultam da participação da Morte e da ressurreição de Cristo, a Regeneração real ou arrependimento.
Uma e outra, isto é, a mortificação da carne e a vivificação do Espírito, nos é comunicada em virtude da participação de Cristo. Ora, se de sua morte compartilhamos verdadeiramente, “nosso velho homem é crucificado por seu poder e morre o corpo do pecado” [Rm 6.6], para que não floresça por mais tempo a corrupção da primeira natureza. Se somos participantes de sua ressurreição, por ela somos despertados para a novidade de vida que corresponda à justiça de Deus. Portanto, interpreto o arrependimento com uma palavra: regeneração, cujo objetivo não é outro senão que em nós seja restaurada a imagem de Deus, a qual fora empanada e quase apagada pela transgressão de Adão.
Assim o ensina o Apóstolo, quando diz: “Nós, porém, de face descoberta, refletindo como em um espelho a glória do Senhor, somos transformados à mesma imagem, de glória a glória, como pelo Espírito do Senhor” [2Co 3.18]. Igualmente: “Sede renovados no espírito de vosso entendimento e revesti-vos do novo homem que foi criado, segundo Deus, na justiça e santidade da verdade” [Ef 4.23, 24]. Também, em outro lugar: “Revestindo-vos do novo homem que se renova segundo o conhecimento e a imagem daquele que o criou” [Cl 3.10]. Portanto, mediante esta regeneração, somos pela mercê de Cristo restaurados à justiça de Deus, da qual havíamos decaído através de Adão, modo pelo qual ao Senhor agrada restaurar integralmente a todos quantos adota para a herança da vida. E esta restauração, na verdade, não se consuma em um momento, ou em um dia, ou em um ano; antes, através de avanços contínuos, ainda que amiúde de fato lentos, Deus destrói em seus eleitos as corrupções da carne, os limpa de sua imundície e a si os consagra por templos, renovando-lhes todos os sentimentos à verdadeira pureza, para que se exercitem no arrependimento toda sua vida e saibam que não há nenhum fim para esta luta senão na morte.
Quão maior é a improbidade de certo paroleiro e apóstata impuro, Estáfilo, que vocifera dizendo que o estado da presente vida é por mim confundido com a glória celeste, enquanto de Paulo interpreto a imagem de Deus como sendo “verdadeira santidade e justiça” (Ef 4.24). Como se, realmente, ao definir-se alguma coisa não se deva buscar sua própria inteireza e perfeição. Ao afirmar que Deus restaura em nós sua imagem, não nego que o faça progressivamente; mas que, à medida que cada um avança, se aproxima mais da semelhança de Deus, e que tanto mais resplandece nele essa imagem de Deus [2 Co 4.16]. Para que os fiéis cheguem a este ponto, Deus lhes assinala o caminho do arrependimento pelo qual percorram pela vida inteira.
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