Tempestade de Areia
“E todos, na sinagoga, ouvindo estas coisas se encheram de ira.” Luc 4; 28
As coisas que ensejaram a ira coletiva foram ditas por Jesus Cristo. O contexto nos mostra o Mestre lendo um texto de Isaías que falava Dele; após ler, afirmou ser o cumprimento de tal vaticínio.
Não era desconhecido como alguém de poderes miraculosos, tanto que usou sinais operados como argumento. “…Sem dúvida me direis este provérbio: Médico, cura a ti mesmo; faze também aqui na tua pátria tudo que ouvimos ter sido feito em Cafarnaum.” V 23 Milagres feitos em Cafarnaum já eram conhecidos de sua plateia.
Entretanto, O Senhor sabia que não era o anseio pelo surgimento de um profeta que movia àqueles; antes, a emulação, o desejo de O desqualificar. Então, sem se preocupar em mostrar sinais, denunciou isso: Não era bem vindo em Sua própria terra. Tomou como exemplos Elias e Eliseu, que, mesmo sendo grandes profetas foram buscados por estranhos e ignorados pelos seus. Cristalina verdade narrada nas Crônicas e nos Reis; contudo, mencionar isso, causou a ira dos ouvintes.
Embora o catolicismo qualifique a ira como um pecado capital, ela é em si algo neutro, que demanda contexto antes de adjetivos. Irar-se pela causa certa é normal; aliás, esperado desde que se tenha consigo os valores Divinos como norte, afinal, Deus, assim o faz. “Deus é juiz justo, um Deus que se ira todos os dias.” Sal 7; 11 Temos também essa concessão: “Irai-vos, e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira.” Ef 4; 26 A exortação é contra agir sob o signo da ira, pois, dadas as paixões humanas, ela turva decisões e chama à arena a vingança onde deveria vir a justiça. “Portanto, meus amados irmãos, todo o homem seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar. Porque a ira do homem não opera a justiça de Deus.” Tg 1; 19 e 20
A nós outros cumpre perdoar ofensas mesmo que injustas, embora, Deus as tome em conta, caso não haja arrependimento em tempo. “Porque bem conhecemos aquele que disse: Minha é a vingança, eu darei a recompensa, diz o Senhor. E outra vez: O Senhor julgará o seu povo.” Heb 10; 30
Quando alguém se ira ao ouvir a verdade, todavia, é porque já fez da mentira seu modo de vida; o que o faz arder não é seu senso de justiça, mas, de preservação. Ao homem sensato a verdade é muralha intransponível, como dissera Jó: “Oh! quão fortes são as palavras da boa razão! Mas que é o que censura a vossa arguição?” Jó 6; 25 Contra a verdade, a razão, não ousaria; mas, estava diante de palavras sem sabor, como clara do ovo, disse.
Salomão, o sábio, também não tinha a ira em estima, pois, aconselhou: “Não te apresses no teu espírito a irar-te, porque a ira repousa no íntimo dos tolos.” Ecl 7; 9 Vemos, pois, essa reação emocional consorciada com um lapso espiritual e intelectual, no seio dos tolos. Ali, não é uma invasiva eventual como na necessidade de um sábio, antes, uma co-habitante em repouso à espera de qualquer motivo para despertar em defesa do anfitrião. Sim, ela lhe dá “segurança”. “O sábio teme e desvia-se do mal, mas, o tolo se encoleriza e dá-se por seguro.” Prov 14; 16
O que vemos no horizonte seja religioso ou, sobretudo, no político, antes da necessária concessão à verdade em busca dos fatos, a perícia na erística, a arte da contradição como se, quem dissesse a última palavra estivesse com a razão.
No caso de Jesus, aliás, quiseram um pouco mais que dizer a última palavra, antes, calar Sua voz de uma vez por todas. “E, levantando-se, o expulsaram da cidade, e o levaram até ao cume do monte em que a cidade deles estava edificada, para dali o precipitarem. Ele, porém, passando pelo meio deles, retirou-se.” Vs 29 e 30
O fato é que a Palavra de Deus coloca o espelho ante crianças de cara suja e aconselha que se lavem; umas ouvem, outras não. E há as que usam máscaras para ocultar a sujeira e ousam contra o espelho se ele insistir que aquela não é sua face real.
Dizem que o avestruz enterra a cabeça na areia e se sente protegido por nada ver; e, infelizmente, afrontas à verdade temos mais que a areia de nosso imenso litoral. A Obra de Cristo é a tempestade de areia que acabará com o “refúgio” dos avestruzes. “E destruirá neste monte a face da cobertura, com que todos os povos andam cobertos, e o véu com que todas as nações se cobrem.” Is 7; 25