Os olhos verdes da fé
“Por isso não sejais insensatos, mas entendei qual seja a vontade do Senhor.” Ef 5; 17
Exortando aos cristãos de Éfeso, Paulo chamou à arena uma qualidade interessante, sensatez. Em quê consiste? Critério, discernimento, raciocínio, segurança, conhecimento, discrição, entendimento, inteligência, sagacidade, previdência, etc.
Como associar tais nuances com o dito que a fé é cega? Afinal, isso é afirmado como se crer fosse uma aventura de fanáticos contra todas as evidências, o bom senso, a razão… Aliás, noutra parte o apóstolo agrega essa também; “…apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional.” Rom 12; 1 Não é crível que se possa formar um triângulo equilátero com razão, sensatez e cegueira. Essa é estranha no ninho.
Se é vero que a Palavra coloca a fé no campo invisível, igualmente é que chama seus frutos como testemunhos palpáveis de seu ser. “Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem. Porque por ela os antigos alcançaram testemunho. Pela fé entendemos que os mundos pela palavra de Deus foram criados; de maneira que aquilo que se vê não foi feito do que é aparente.” Heb 11; 1 a 3
Os antigos heróis são evocados não pelo que creram, mas, pelo que fizeram; ainda que o fizeram porque creram, desenhando assim, o círculo virtuoso da fé. Lidamos bem com abstrações cujos frutos são visíveis provas delas, como, amor, esperança, saudade… por que seria diferente com a fé?
Claro que a fé bíblica não atua num vácuo, antes, tem teor e objeto específicos; “Crede em Deus, crede também em mim…” disse o Salvador. E a sensatez que compactua com a fé vai além de crer na existência de Deus, mas, amolda-se ao Seu querer, como versa a exortação supra; “Entendei qual seja a vontade de Deus.” Como Ele é Eterno, a fé perfeita tem seus olhos de raio x como o “Superman” que perscrutam após as paredes do tempo.
A pecha da cegueira nos é imputada pelos que não creem e estranham nosso porte “sem razão” como versou Pedro. “…acham estranho não correrdes com eles no mesmo desenfreamento de dissolução, blasfemando de vós.” I Ped 4; 4
Sim, o que não crê, ainda que seja, eventualmente, parcimonioso em outras coisas estará sendo dissoluto com o tempo. Sua vida, dure o que durar na terra, é a redoma de tempo e espaço dentro da qual deve achar a fé, como ensina o mesmo Paulo: “E de um só sangue fez toda a geração dos homens, para habitar sobre toda a face da terra, determinando os tempos já dantes ordenados, e os limites da sua habitação; Para que buscassem ao Senhor, se porventura, tateando, o pudessem achar; ainda que não está longe de cada um de nós;” Atos 17; 26 e 27
Se Paulo apresenta aos incrédulos “lendo em Braile”, parece que a cegueira é um problema deles, não dos crentes. O próprio Salvador usou essa figura, aliás; “…agora te envio, para lhes abrires os olhos, e das trevas os converteres à luz, e do poder de Satanás a Deus; a fim de que recebam a remissão de pecados, e herança entre os que são santificados pela fé em mim.” Atos 26; 17 e 18
O conflito não deriva dos olhos, pois, ainda que os afete; antes, da cruz. “Porque Cristo enviou-me, não para batizar, mas para evangelizar; não em sabedoria de palavras, para que a cruz de Cristo se não faça vã.Porque a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus.” I Cor 1; 17 e 18
Nossa cruz difere da do Senhor, pois, não fere-nos, fisicamente, antes, “crucifica” as vontades enfermas e opostas à Vontade de Deus. Esse desprezo dos salvos por deleites imanentes em busca dos bens transcendentes da fé que origina a denúncia de que somos cegos.
O diabo apostou que tirando-lhe as posses terrenas Jó abdicaria da fé, todavia, mesmo em angústia ele disse: “Ainda que ele me mate, nele esperarei;…” Jó 13; 15 assim, do bravo Jó bem que se poderia dizer o mesmo que se disse de Moisés: “Tendo por maiores riquezas o vitupério de Cristo do que os tesouros do Egito; porque tinha em vista a recompensa … ficou firme, como vendo o invisível.” Heb 11; 26 e 27 “tinha em vista… como vendo o invisível.” Eis, os olhos da fé!
Não são de íris, retina, mas, de confiança irrestrita na Palavra de Deus. “Lâmpada para os meus pés é tua palavra, e luz para o meu caminho.” Sal 119; 105