O anão gigante

“…Quem é, pois, este incircunciso filisteu, para afrontar os exércitos do Deus vivo?” I Sam 17; 26

Essa pergunta retórica de Davi diz mais que aparenta. Quem é este, não demanda por informação; antes, é um questionamento mais abrangente. O quê ele pensa de si mesmo? Terá ideia da peleja que está propondo? Ele ou alguém poderia pelejar contra Deus que está conosco? Tudo isso engloba o pacote da questão proposta pelo valente pastor.

Na verdade, lutar contra Deus diretamente nem o diabo se atreveria, ainda que o faça de modo oblíquo seduzindo anjos e homens.

Duas coisas “patrocinam” tal luta inglória: Ignorância e rebeldia. Essas duas senhoras, não raro, caminham junto na senda da loucura. Quando versa sobre a vera sabedoria Paulo afirma que foi a ignorância dos judeus que ocasionou sua insanidade de investir contra O Salvador. “…a sabedoria de Deus, oculta em mistério, a qual Deus ordenou antes dos séculos para nossa glória; a qual nenhum dos príncipes deste mundo conheceu; porque, se a conhecessem, nunca crucificariam ao Senhor da glória.” I Cor 2; 7 e 8

Ele mesmo bebeu dessa “erva amarga” durante certo tempo, até que o próprio Senhor lhe conscientizou da luta em que estava engajado; “E, caindo em terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? E ele disse: Quem és, Senhor? E disse o Senhor: Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Duro é para ti recalcitrar contra os aguilhões.” Atos 9; 4 e 5

Quanto à rebeldia, todavia, essa não paga tributo à ignorância, mas, ao mau uso do conhecimento. A ênfase torta num aspecto do caráter Divino que acentua a misericórdia, o amor, e minimiza, quando não, despreza à justiça.

A longanimidade Divina que deveria ser usada a favor acaba sendo de modo diverso, como pontua Salomão: “Porquanto não se executa logo o juízo sobre a má obra, por isso o coração dos filhos dos homens está inteiramente disposto para fazer o mal.” Ecl 8; 11

Assim, embora sendo veraz que a misericórdia de Deus se renova a cada manhã, como disse Jeremias, a persistência contumaz na prática do mal acaba endurecendo o coração, como ensina o mesmo profeta: “Porventura pode o etíope mudar a sua pele, ou o leopardo as suas manchas? Então podereis vós fazer o bem, estando acostumados a fazer o mal.” Jr 13; 23

Sabedor disso o autor da Epístola aos Hebreus exortou-os que aproveitassem o momento oportuno quando o Espírito Santo lhes abrandasse o coração: “Hoje, se ouvirdes a sua voz, Não endureçais os vossos corações.” Heb 4; 7

Isaías, por sua vez, denuncia que a rebeldia contínua de sua nação fez com que Seu Protetor se tornasse adversário; “Em toda a angústia deles ele foi angustiado, e o anjo da sua presença os salvou; pelo seu amor, e pela sua compaixão ele os remiu; e os tomou, e os conduziu todos os dias da antiguidade. Mas eles foram rebeldes, e contristaram o seu Espírito Santo; por isso se lhes tornou em inimigo, e ele mesmo pelejou contra eles.” Is 63; 9 e 10

Ignorância espiritual, todavia, convive muito bem com o conhecimento superficial das Escrituras. Os que mandaram Jesus para a cruz eram guardiães das que havia. Ele mesmo denunciou que se realmente conhecessem o sentido haveriam de encontrá-lO nelas. “Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam; e não quereis vir a mim para terdes vida.” Jo 5; 39 e 40

“Não quereis…” Aqui está o sustentáculo de toda rebeldia, a fortaleza da vontade. A imposição do Eu, em lugar da Palavra de Deus é obstáculo ainda mais sério que a própria ignorância. Essa se pode corrigir mediante ensino, aquela não tem jeito, exceto, na cruz. “ … Se alguém quer vir após mim, negue a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me.” Luc 9; 23

Então, se por um lado é doloroso renunciar às minhas errôneas convicções, por outro, alivia a carga, pois, não preciso filosofar sobre o desconhecido descansando na plenitude da revelação. “Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno os seus pensamentos e se converta ao Senhor, que se compadecerá dele; torne para o nosso Deus, porque grandioso é em perdoar. Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o Senhor.” Is 55; 7 e 8

Para muitos é mais fácil comandar um exército, que à própria vontade enferma; aderir à mensagem da cruz demanda rendição dessa. Se uma funda e uma pedra bastaram a Davi, nada menos que Cristo pode deter o gigante da rebeldia.