Deus dos pobres ou dos ricos?

Repercutiu mundialmente a afirmação do novo Papa que anseia com uma igreja pobre, para os pobres. Inevitável que, sendo a igreja uma instituição composta de seres humanos, as aspirações humanas estejam nela contempladas.

Isso soa antagônico ao ensino de certos neo-pentecostais, os da “teologia da prosperidade” onde seria “vontade de Deus” que todos seus filhos prosperassem. Qual dos dois lados está certo, afinal? Deus é dos pobres, ou, dos ricos?

Há muitos textos onde a necessidade dos pobres aparece contemplada, sobretudo, nos livros sapienciais; mas, parece mais plausível num sentido inclusivo, uma vez que eram discriminados, que exclusivo, o que discriminaria espiritualmente aos ricos.

O texto predileto dos que apregoam a opção Divina pelos desfavorecidos é: “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus;” Mat 5; 3 A simples leitura do texto, porém, deixa claro que se refere à condição espiritual, não social; a pessoa pode ter muitos bens, e ainda ser pobre no prisma espiritual, como ensinou o Salvador: “Acautelai-vos e guardai-vos da avareza; porque a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui.” Luc 12; 15

Por outro lado, o verso favorito dos da prosperidade é João 10; 10; “... eu vim para que tenham vida, e vida com abundância.” A mesma refutação supra serve aos dois casos, se vida não está na abundância material, quando promete vida com abundância, o Senhor alude a bens espirituais, largueza da própria vida, que será eterna.

Embora o anseio por prosperar faça parte de nossa natureza, Paulo advertiu sério contra essa sede desmedida que tolhe a salvação a muitos; “Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína. Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores.” I Tim 6; 9 e 10

Na verdade, Deus nunca balizou sua aceitação, ou, mesmo a salvação, pelas condições sociais de ninguém. Enriqueceu os patriarcas, muitos reis, mormente Davi e Salomão, e depreciou sempre, as falhas de caráter de qualquer deles.

Jesus, por sua vez, conseguiu persuadir com Sua mensagem, ao menos três figurões, Zaqueu, Nicodemos e José de Arimatéia. O fato de serem ricos não foi óbice à salvação.

Se muitos da elite religiosa ficaram de fora, foi pela sua pretensão exclusivista que o Senhor deitou por terra; aliás, era justamente essa a mensagem que deveria clamar a “voz do que clama no Deserto”; ( Is 40; 3, 4 ) “Todo o vale será exaltado, e todo o monte e todo o outeiro será abatido;...” ou seja, para Deus, não existem extratos sociais, todos estão no mesmo nível; os ricos só entram através da Cruz; por ela, mesmo os pobres podem entrar.

A opção pelos pobres, aliás, serviu à retórica hipócrita de Judas, quando Maria quebrou um perfume caro e ungiu ao Senhor; ele achou um desperdício, deveria ser vendido e “dado aos pobres”. “fazia caridade” com bens alheios, e furtava os que estavam aos seus cuidados.

Todavia, se o novo Papa, em face ao estilo do santo que lhe emprestou o nome, decidir abrir mão da ostentação majestosa do estado do Vaticano e distribuir isso aos pobres, sem dúvida será uma atitude de se aplaudir e respeitar.

De qualquer modo, a posição divina sobre bens, é que seus servos ajuntem tesouros no céu; os ricos podem fazer isso, se, após rendidos a Cristo e salvos, dividirem seus bens em prol dos necessitados; os pobres, uma vez salvos pelos mesmos meios, permanecerem fiéis e íntegros, malgrado suas privações.

Essa era a ideia de Paulo em seu famoso “Posso todas as coisas naquele que me fortalece.” Posso permanecer fiel, em qualquer situação social; “... porque já aprendi a contentar-me com o que tenho. Sei estar abatido, e sei também ter abundância; em toda a maneira, e em todas as coisas estou instruído, tanto a ter fartura, como a ter fome; tanto a ter abundância, como a padecer necessidade. Posso todas as coisas em Cristo que me fortalece.” Fp 4; 11 a 13

Apesar de soar contraditório, Deus fez a opção pelos maus; Não que exista um bom, a Bíblia diz que não há um justo sequer; “E os fariseus, vendo isto, disseram aos seus discípulos: Por que come o vosso Mestre com os publicanos e pecadores? Jesus, porém, ouvindo, disse-lhes: Não necessitam de médico os sãos, mas, sim, os doentes.” Mat 9; 11 e 12

Então a preferência de Deus, é pelos que reconhecem sua “doença”; os presumidos “sãos”, não teriam seus cuidados, até porque não pode ser salvo, quem não se sente perdido.

Esses que põem Nele suas esperanças, não questionam seus termos, Deus trabalha por salvá-los, e tê-los consigo; feito isso, serão todos ricos; “Riquezas e honra estão comigo; assim como os bens duráveis e a justiça. Melhor é o meu fruto do que o ouro, do que o ouro refinado, e os meus ganhos mais do que a prata escolhida. Faço andar pelo caminho da justiça, no meio das veredas do juízo. Para que faça herdar bens permanentes aos que me amam, e eu encha os seus tesouros.” Prov 8; 18 a 21

“Porque desde a antiguidade não se ouviu, nem com ouvidos se percebeu, nem com os olhos se viu um Deus além de ti que trabalha para aquele que nele espera.” Is 64; 4