O mais gentil dos homens.
Alguns dos mais significativos ensinamentos de Jesus não foram ministrados às multidões, nem estiveram presentes nos seus concorridos sermões; foi durante conversas particulares que o Cristo de Deus tratou de assuntos vitais para a vida da Igreja.
Hoje, quando ministramos a Palavra, não raro utilizamo-nos de informações deixadas numa situação de aparente singeleza; por hábito, nossa atenção se dirige para as eloquentes manifestações de sabedoria e graça (e fazemos bem quando lemos áreas da Bíblia que registram os ensinos públicos do Senhor Jesus).
Entretanto, grande parte da nossa formação tem por alicerce as conversas particulares, quando Jesus deixava tudo, inclusive as multidões, para prestar atenção a homens, mulheres ou crianças, gente a quem ninguém mais prestaria atenção.
A qualidade do tempo que o Cristo dispensava a essas pessoas (e continua fazendo isso hoje no Espírito Santo, Deus na igreja) fez diferença naquele dia e todos os subsequentes dias das suas vidas e, por conseguinte, altera e abençoa nossas vidas hoje.
Grato sou ao Espírito por dirigir os evangelistas (destaque para João) na tarefa de registrar essas particulares manifestações de sabedoria e graça do Senhor. Sendo Deus Todo-Poderoso, o Verbo Encarnado foi também o mais gentil dos homens a andar entre nós; ignorava o calor, a fome e o cansaço pra falar com anônimos.
Deixava as multidões esperando, pra gastar tempo com outra pessoa a quem os outros, no mínimo enxotariam, e no máximo, apedrejariam. Quanto amor aprendemos nas circunstâncias de aparência simples envolvendo o Senhor!
Bartimeu encerraria sua carreira de cego mendigo ali na entrada de Jericó, não fosse a graciosa atenção de Jesus dispensada a ele, Jesus deixa a impaciente e egoísta multidão e se dedica ao ignorado; mais que inclusão social o Mestre leciona compaixão.
Sob o sol e poeira da Palestina, exausto e faminto, puxa conversa com a samaritana, outra a quem as pessoas “de bem” evitavam (ou acha mesmo que era normal buscar água ao meio dia? Ela não poderia aparecer pela manhã, as mães de família estariam lá, talvez até uma ex-esposa de algum enfeitiçado pela “destruidora de lares”).
E Zaqueu? Somos informados da conversa pública, um rápido registro; mas imaginemos as particulares palavras deixadas na alma daquele homem, pelo resultado sabemos.
Maravilhoso é perceber que mesmo dirigindo-se para Jerusalém, no firme propósito de se deixar assassinar em uma cruz, o Senhor gasta tempo com gente comum, dispensa-lhes cuidados e atenção.
As ricas e particulares conversas de Jesus nos amparam hoje nas dificuldades, pois qual situação pode apresentar-se mais dolorosa que a de Jairo? Com a filha única à beira da morte, despe-se de qualquer convenção religiosa e vai procurar ajuda onde pode encontrar ajuda, e quando as coisas caminham para um desfecho feliz, aparece, sabe-se lá de onde, uma mulher que precisa desesperadamente de atenção.
Gastar precioso tempo com gente a quem ninguém dava importância, este era o jeito do Senhor, gastar-se; uma condição tão desesperadora e urgente e naquele momento Jesus apresenta-se em toda a Sua compaixão por aqueles que parecem ovelhas sem pastor. Parecem.
Ao lermos sobre os criados de Jairo trazendo a notícia da morte da sua filha, não podemos sequer imaginar a contrariedade que tomou conta do coração dele; foi por pouco, “se aquela mulher não tivesse aparecido, minha filha teria uma chance”. Outra conversa particular e esta exige um grau de confiança sem paralelo, a filha morta e Jesus dizendo: “Não temas, somente creia!”.
Protegido pelas sombras da noite, Nicodemos espreita pra depois aproximar-se do Messias e iniciar a mais significante das conversas particulares que servem como base da fé cristã; o novo nascimento.
A profundidade do diálogo nos encanta, Nicodemos atribulado entre a tradição judaica e a pregação do Cristo; somos nós ali, entre nossos próprios cuidados e a mensagem da cruz, ajudados de antemão; Jesus estabelece naquela conversa o princípio da salvação.
Naquele diálogo Nicodemos começa a nascer de novo, basta prestar atenção no evangelista, que cita dois outros momentos importantes da caminhada de Nicodemos; a conversa particular deu frutos.
O tempo gasto com cada pessoa foi de singular significado na vida de cada uma delas, e toda a nossa orientação deriva de tais conversas e ensinos; para isso encarnou o Verbo, para que tenhamos abundante vida.
“Esticando as vistas” até o AT encontramos Elias na caverna, que tribulação! Sem destino, sem respostas nem segurança e aparentemente sem ninguém a quem recorrer.
Ele tenta encontrar Deus em muitos lugares, em muitas manifestações, mas só encontra confusão e ruídos, nada que lhe valha ou sirva; o Senhor precisou esperar aquele moço encerrar a sua procura nos lugares onde Ele, o Senhor, não estava, para Se manifestar da forma que ele, o moço, não esperava.
No evangelho escrito por Marcos está registrado que às três da manhã Jesus deixa a casa de Pedro, protegido pela escuridão e vai para um lugar deserto pra ficar a sós com o Pai, outra conversa reservada.
Hoje quando perguntamos a alguém: “como vai?”, recebemos como resposta: “tô na correria!”, que é uma forma de expressar a pressa e agitação dos nossos dias quando gastamos nosso tempo correndo atrás das coisas, necessárias ou não. (correria é também a gíria usada pelos viciados pra explicar a agitação, logo cedo pelas ruas; todos estão na correria pra levantar uns trocados e comprar uma de dez, pelo menos).
Desacelerar é preciso (parafraseando Pessoa) e urgente; parar e prestar atenção nas particulares e quase imperceptíveis manifestações do Deus na Igreja e em nós, o Espírito Santo. Desacelerar no trabalho, na igreja, em casa, no namoro; gastar tempo percebendo coisas para as quais sequer olhamos de soslaio; observar os detalhes da comunicação.
O Espírito Santo, Deus em nós e na igreja, fala sem cessar ao nosso intelecto e coração, mas quase tudo passa despercebido, pois conversas particulares não estão entre os nossos hábitos; por isso há tantos doentes entre nós, e não poucos os que dormem.
Missão Vida, porque eu amo gente.