VIVO SÓ

O que faço aqui, neste Asilo que me acolhe, tenho carinho, alimentação farta, o remédio para acalmar minhas dores, o cobertor que me agasalha, a bengala onde posso me apoiar nos passos trôpegos para não cair, a companhia dos iguais que talvez tenham também sido abandonados?

Um dia meus filhos, parecendo até felizes, me disseram:-

Papai, o senhor vai conviver num lugar maravilhoso, com muito espaço, passarinhos cantando, flores perfumadas, alguma coisa para cuidar, companhias para jogar conversa fora, ser tratado com toda dignidade e estamos já providenciando sua ida, não precisa se preocupar com detalhes, que tudo está resolvido.

Sem protestar, apenas estranhando uma decisão de filhos, não de um pai que os gerou, aceitei com um sorriso triste o que já antevia há muito tempo, pois os espaços na casa que fui dono, construi com meus esforços e da minha saudosa esposa, foram se encurtando, encurtando, até que me vi jogado num quartinho nos fundos do quintal, onde esporádicamente recebia visitas de algum filho, só a empregada que me trazia a refeição do dia me visitava.

Um neto meio atrevido que não mais aceitava um papinho gostoso, alguma brincadeira, mesmo tentativas de lembrar dos bons tempos que fomos companheiros de traquinagens, das pescarias no rio, no balanço que lhes fiz para balançarem nos galhos fortes da velha paineira ou então recordações dos inúmeros passeios que fizemos pelos campos cantando músicas sertanejas, assobiando imitando passarinhos, nada o fazia sensibilizar, porque agora jovem, não aceitava mais minha companhia e nem um educado "benção vô" nunca mais me dirigiu.

Percebi então na memória ainda lúcida, que estava sendo descartado, jogado fóra, pois estava incomodando, não servia mais para fazer parte daquela familia feliz que sempre projetei e criei com sacrifícios enormes, não lhes faltando nada na mesa.

Tudo tiveram, inclusive estudos para serem doutores, profissão que jamais consegui pelo menos tentar, pois sonhava, mas nunca tive essas possibilidades.

A vida social dos meus queridos filhos estava em alta, não podiam ter impecilhos para incomodar as visitas dos amigos bem vestidos, suas mulheres elegantes, que falavam bem e meu visual talvez os chocassem, se me avistassem tropeçando pelos cantos, dando vexames, quem sabe incomodando suas reuniões sociais, onde se falavam de negócios, viagens ao exterior, ostentações que faziam questão de mostrarem, nos carros importados, jóias que enfeitavam suas elegancias.

O dia chegou e de cabeça baixa, submisso, não protestei, apenas lágrimas escorreram pela minha face um tanto enrugada, mas que eles nem assim me respeitaram, sómente queriam se livrar de um pai que já não tinha mais os esplendores de outróra, agora éra um velho indefeso, sem saber nem protestar.

Só que tinha os sentimentos ainda intáctos e percebia as rejeições, pois sou inteligente, cursei a "Faculdade da Vida", a que mais traz sabedorias e dela fiz parte e ultrapassei todos os obstáculos, por mais difíceis que foram.

Hoje, num quarto com mais 03 companheiros de infortúnios, que pouco conversam, talvez também pelas suas tristezas, vou acumulando minha solidão, relembrando passado, minhas alegrias, meus filhos que só trouxeram orgulhos, pois sempre os amei, meus netos que foram os detentores de todas as sabedorias da vida que acumulei e que lhes transmiti, principalmente quando crianças muito nos curtíamos.

Agora, jovens, em outro mundo, da gobalização, me julgam quadrado, ignorante, sou atrazado, não posso partilhar dos avanços das tecnologias, pois sou velho, não tenho aptidões, sou atrapalhado.

Vivo só, em tremenda solidão, mesmo que esteja cercado de carinhos, amizades, cuidados, curtindo as minhas dores, sofrendo as insônias das noites que não se acabam, sou um infeliz, apesar de ter uma familia com todas as condições financeiras para me acolher, como eu os acolhi em todas as fases de suas vidas.

Jairo Valio

01-07-2009