A vida já era assim...
Ainda criança, quando vivia lá na roça, a vida para aquele menino era assim...
O cair das tardes sempre eram tristonhas...trazendo à sua alma uma nostalgia antiga, uma saudade, um vazio no seu doce coração...
Àquele menino, de coração puro e alma romântica, ficava a olhar o sol se pôr...logo a noite ia chegando e sua melancolia aumentava...
Com o olhar perdido no horizonte, na sua inocência ficava a imaginar o que teria além daquela linha, como seria a vida depois daquela divisa.
O poente ficava pelo fundo da casa e ele às vezes sentava na cerca que delimitava o quintal e se deixava envolver por àquela hora do ângelus - uma hora tristonha que de certa forma lhe trazia solidão – lhe faltava alguma coisa...
Os dias eram sempre assim, como se esperasse alguém chegar...alguém que tanto amava...
Apesar da sua pouca idade, costumava fazer serviços de gente grande na lida diária e um deles, era carrear mantimentos em carro-de-bois. Como o percurso levava algumas horas, tinha tempo de sobra pra ficar sonhando... deitava-se de costas no cabeçalho do carro, ficava ali se equilibrando para não cair; com olhos perdidos no céu azul, muitas vezes salpicados de nuvens brancas e alguns urubus fazendo verão, embalado pelo compasso do andar da junta de bois e o cantar do carro, deixava os sonhos inebriar a sua alma...ele sentia-se bem com isso. Eram momentos sublimes, puros, de paz, que acabavam até por fazê-lo adormecer ali.
Os teus sonhos, eram sonhos simples, sem muita perspectiva de vida além da que seus pais levavam, pois não conhecia outro mundo, a não ser àquele em seu derredor.
Não havia luz elétrica, a luz era das lamparinas à querosene. Normalmente dormia-se cedo, e levantava-se cedo também.
Algumas vezes, quando era noite, sentava com o restante da família num pranchão de madeira que ficava na porta da varanda e ficavam ali jogando conversa fora, contemplando o céu estrelado ou mesmo o clarão da lua, quando essa resolvia aparecer. O silêncio da noite era cortado por o canto de algum curiango, o latido ao longe de algum cachorro ou mesmo, pelas vozes de passantes na estrada que ficava um pouco distante dali.
Vez por outra também, a família católica que era, reunia-se para rezar o Terço ou Ofício de Nossa Senhora. Sentavam em volta da mesa na sala e seu pai ia puxando a oração. Terminado a oração, ele procurava logo à sua cama, pois o dia começava antes do sol sair.
Levavam uma vida simples de homem do campo, sem muito luxo, onde toda a família tinha que trabalhar. Tudo era muito regado, sem desperdiço, tinham o suficiente para levar uma vida digna.
A vida naquelas paragens, era na verdade um faz-desmancha ou seja, os dias pareciam iguais, repetitivos, um ciclo vicioso, onde a vida se resumia em: acordar, trabalhar, dormir, acordar... Às vezes ele pensava como seria o “amanhã” , pois não via muita perspectiva diferente, mas ele trazia os seu sonhos aprisionados no seu âmago, como se para que ninguém os roubassem.
Ele não entendia o porquê daquela saudade... mas mesmo sem compreender direito, sabia que era uma saudade de amor. Mas amor de quem? E ele sonhava com esse amor imaginário... sonhava com “ela” chegando...
Eram sonhos lindos de amor... imaginava-a, uma pessoa doce, terna, meiga, carinhosa... àquela que lhe preenchia a alma, acalentava o coração.
Mas não só nas tarde ou nas noites, esse sonho ele o carregava para todos os cantos ou lados que fosse, trabalhando ou não, bastava estar sozinho.
Embora ele não soubesse quem ela era, sentia-a em seu coração... era como se já a conhecesse.
Hoje ele sabe que esta saudade sempre teve razão de ser... você!
E mais, pela cronologia, ele não tem dúvidas de que ela (a saudade) nasceu no exato momento em que você chegava a esse mundo...
Você, reservada que és, nunca se deixou revelar, mas imagino que também tenhas guardado no seu âmago, relíquias de sua vida, que são retratos fiel dos caminhos trilhados pela alma da menina sonhadora, que mesmo sendo rodeada de “cuidados” familiar, deixava escapulir do seu olhar uma pequena fração de tristeza, como se revelasse que a vida lhe tivesse privado de alguma coisa, alguma coisa que fazia muita falta para o seu coração.
Diz-se que tudo tem seu tempo, é possível que seja assim mesmo. Apesar do tempo de convívio, não tivemos oportunidade de nos falar das “relíquias de nossas vidas” e é possível que não tenhamos mais aqui nesta vida. Mas se a vida os ofertar com mais esse presente, imagina-se que iremos nos surpreender com as várias coincidências diante dos sentimentos guardados e nunca antes revelados, sentimentos estes, que mais parecerão o reflexo do outro em si, de tão comuns aos dois.