DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA, SIM!
Eu tenho consciência negra.
Tenho consciência de que, por mais de trezentos anos, africanos foram escravizados, traficados, desumanizados, coisificados, não tinham alma, não tinham direitos, suas famílias foram separadas, perderam sua identidade, foram proibidos de usar seu idioma, sua cultura, sua religião, foram brutalizados, torturados, açoitados, estuprados.
Tenho consciência de que, ao serem desescravizados, foram postos para fora das fazendas, sem documento, sem casa, sem emprego, sem renda, sem escola, sem oportunidade, sem rumo, sem nada. Foram ocupando as periferias das cidades e os morros, permanecendo à margem da sociedade.
Tenho consciência de que, hoje, após mais de cem anos sem escravidão, o negro permaneceu coisificado e desumanizado. “Cabelo ruim”, “Preto correndo é ladrão”, “Preto não é gente”, “Nariz de batata”, “Só podia ser preto”, “Volta pra senzala”. Não é engraçado, nunca foi, sempre foi desumano. Temos sim uma dívida social histórica que deve ser resolvida.
Tenho consciência de que meu filho é descendente de negros que foram escravizados. O cabelo dele é crespo. Ele tem traços negros. Às vezes penso se terei medo de ele sair pra rua de bermuda e chinelo quando for adolescente e ser parado pela polícia ou de suspeitarem que ele parece ladrão.
Não quero que meu filho se olhe no espelho um dia e deseje ter cabelo liso. Não quero um filho que tenha vergonha de suas origens, vergonha do que seja negro. Não quero um filho que seja desumanizado. Quero um filho com consciência negra.
Tenho consciência de que um dia as pessoas serão julgadas pelo seu caráter e não pelo tom da pele, de que um dia não teremos preconceito, de que um dia todos serão tratados com igualdade de oportunidades, de que um dia não precisaremos falar de cotas, não precisaremos falar de raça. Não precisaremos falar de consciência negra.
Um dia. Mas esse dia não é hoje.
Hoje é dia de consciência negra. Consciência negra, sim!