Despedida Familiar

Hoje, enquanto estava indo ao mercado, a pé, para comprar o pão do café da manhã, eu vi uma fila enorme de carros estacionados em uma determinada residência. Então logo imaginei que, ali, alguém tinha morrido! Ali, estava acontecendo um velório. E sabem por que imaginei isso?! É porque as famílias genealógicas estão tão afastadas umas das outras que, o único momento em que podemos ver as famílias reunidas, é exatamente na hora em que morre algum ente familiar! É uma triste realidade isso, mas é uma verdade incontestável.

Este é um assunto delicado, mas tão comum que todos, ou, quase todos, concordam com esta visão de realidade em que, há muitos anos, as famílias vivem em relação à aproximação familiar.

Talvez, pelo fato de que a tecnologia tenha avançado muito, e por termos descoberto nessas tecnologias, novos atrativos que nos prendam, estamos nos afastando cada vez mais de nossos membros familiares. E nos afastamos tanto que, não sabemos quase nada sobre a vida deles! Parece que, nestes tempos tão confusos, a nossa família se tornou aquela que está mais perto do nosso convívio e dos nossos interesses individuais!

Não sabemos mais como estão vivendo aqueles nossos irmãos que moram em outras cidades!

Não sabemos como vivem aqueles primos de primeiro grau que vivem tão próximos de nós, bem ali, no bairro vizinho! E não sabemos se eles já se casaram, ou se tiveram filhos, ou mesmo, se conquistaram seus tão almejados sonhos!

Muitos daqueles nossos parentes que vivem em outras regiões distantes da família, não sabemos mais nada sobre eles.

Muitos de nós não sabemos nem mesmo como estão vivendo os nossos genitores! Se eles estão sadios ou se estão doentes. Se eles estão precisando de alguma coisa. E se estão precisando de um carinho...

Nos dias de hoje, nem mesmo os casamentos reúnem toda a família em comemoração, até porque, casamento se tornou algo tão desvalorizado na sociedade que muitos casais se formam no famoso “juntar os trapos”, ou seja; nada de oficialidade nas uniões, assim fica mais fácil “separar os trapos” quando as crises da união conjugal começarem a surgir debaixo do teto e fora dele.

Existe apenas um único momento em que as coisas mudam um pouco de face. Aí eu volto na parte mencionada no primeiro parágrafo deste texto; este momento é quando morre alguém da família. Neste instante, surgem parentes que, até então, nem nos lembrávamos mais que eles existiam! Surgem até novos membros que, também nem sabíamos que haviam nascido! E ali, naquele momento de “dor”, enquanto aquele ente familiar está exposto para o “adeus definitivo”, para o “adeus ao mundo”, jazendo pálido, frio e já quase esquecido naquela caixa comprida onde ninguém deseja estar, é ali que a família toda vai colocando os assuntos em dia, e expondo suas novidades.

Naquele instante de reunião familiar, se descobre que aquele irmão que sonhava em ser piloto de avião se tornou um operador de máquinas pesadas, e já tem até uma dúzia de filhos espalhados por toda a região em que ele vive.

Naquela que seria uma reunião fúnebre, se descobre ainda que, aquela prima que todos criticavam na infância, porque julgavam-na feia e desinteressante, se tornou uma grande mulher de negócios no exterior! Casou-se com um banqueiro e vive uma vida aparentemente feliz.

Ali, enquanto o morto “espera um último beijo de adeus” de seus familiares queridos, todos eles parecem excitados, distribuindo uns para os outros as suas novidades mais aplausíveis. E colocando em dia os assuntos que foram destaques em suas vidas, eles até sorriem! Eu já vi muitos sorrisos sem nenhum constrangimento em velórios que já estive! Ali, naquele instante de “despedida para sempre”, daquele que parte para o além, talvez se encontre em algum cantinho de olhar, alguma lágrima de tristeza e de saudosismo antecipado.

Talvez ainda se encontre sentimento dentro de um coração que realmente viveu e tenha compartilhado emoções verdadeiras para com alguém que está partindo deste mundo.

Talvez, naquele instante de despedida, em algum quarto escuro e frio de uma casa distante, impossibilitado de manifestar seus sentimentos de dor, devido a diversas circunstâncias de ordem muito particular, exista um coração sofrendo silencioso por não ter podido dar um beijo de adeus naquela criatura que está partindo, e que fora tão importante e tão presente fisicamente em sua vida.

Penso em como as coisas estão mudando tão depressa neste mundo, e penso no quanto os valores familiares mudaram de forma tão drástica. Os corações humanos estão ficando cada vez mais frios de sentimento. Não há quase comunhão de sentimentos. Quase não se encontra mais o amor ágape no coração das pessoas.

Quando se fala que “somente o amor tem o poder de mudar o mundo e as pessoas”, há um equivoco por parte de uma grande maioria de pessoas na interpretação da palavra “amor”, pois o amor que realmente mudará o mundo é oamor ágape, este amor abnegado, incondicional e desprovido de qualquer intenção de cunho pessoal.

O amor ágape ultrapassa os limites da própria razão e dos próprios interesses para ir de encontro ao outro com um sentimento piedoso e misericordioso. É este amor que as famílias precisam vivenciar umas com as outras. É este amor ágape que temos que implantar dentro dos nossos lares, para que haja uma ligação emocional maior com os nossos membros familiares, para que haja um sentimento mais profundo de pertença e de importância uns para com os outros. É o amor ágape que nos fará conhecer verdadeiramente a nossa hereditariedade.

O amor que mudará o mundo não é este amor carnal de um homem por uma mulher. Este amor que precisa de sensações físicas, de beijos e de abraços para se sentir amado ao lado do companheiro é o “amor eros”, um amor carnal e puramente físico.

Tão pouco é o “amor phileo” que salvará o mundo, porque este amor fraternal, o amor de amigos, falha muitas vezes! Equivoca-se nas situações mais adversas da vida!

O amor de amigos “amor phileo”, falha porque, às vezes esperamos que os nossos amigos sejam perfeitos, mas eles não são! Eles vão falhar muitas vezes! E nós também vamos falhar com eles! Quantos amigos se perderam no vão da intolerância, nas brechas da disputa, e até mesmo nas setas do ciúme! O amor fraternal também falha muitas vezes.

Devemos buscar sempre amar as pessoas, o mais próximo possível do “amor ágape”, este amor que vence qualquer conflito experimentado por nós nesta vida, sejam estes conflitos de ordem psicológica, física, ou mesmo, conflitos morais de origens desconhecidas.

Nós desejamos um mundo melhor, mas estamos destruindo o mundo a partir dos nossos lares. É no lar que as coisas precisam começar a mudar urgentemente. São os valores familiares que devemos rever. São os exemplos que estamos dando aos nossos filhos que devemos rever para que as coisas num futuro mais breve sejam realmente transformadas.

14 de janeiro de 2016