Banquete do desejo
“Havia numa cidade dois homens, um rico e outro pobre. O rico possuía muitíssimas ovelhas e vacas. Mas o pobre não tinha coisa nenhuma, senão uma pequena cordeira que comprara e criara; e ela tinha crescido com ele e com seus filhos; do seu bocado comia, e do seu copo bebia, e dormia em seu regaço, e a tinha como filha. E, vindo um viajante ao homem rico, deixou este de tomar das suas ovelhas e das suas vacas para assar para o viajante que viera a ele; e tomou a cordeira do homem pobre, e a preparou para o homem que viera a ele. Então o furor de Davi se acendeu em grande maneira contra aquele homem, e disse a Natã: Vive o SENHOR, que digno de morte é o homem que fez isso.” II Sam 12; 1 a 5
A mais dolorosa página da biografia do grande rei Davi, poeta que era, posta diante dele na devida linguagem, poesia. Prosa poética de alta qualidade usou o Senhor mediante o profeta Natã para denunciar o adultério do Rei.
Antes de discernir que se tratava dele mesmo, Davi foi categórico no juízo: “Digno de morte é quem fez isso.” Nós temos um bom senso de justiça; o que embaça os julgamentos é a frouxidão moral engendrada no ventre das paixões.
Abstraído isso, ou seja, julgando o fato em si, sem paixão, aflora nossa noção sobre justo e injusto. Tinha em mente isso, o Salvador, quando disse: “Com a medida que medirdes, medirão a vós” Ainda: “Tudo que quiserdes que os outros vos façam, isso fazei-lhes.”
Mas, voltando à alegoria do Profeta, ele disse que Davi precisava alimentar a um viajante que se hospedou com ele; que viajor era esse? Basta apreciar o contexto para constatar que o desejo sexual, era o “viajante” em questão. O Rei poderia tê-lo alimentado com uma de suas “cordeiras” tinha várias, mas, o fez com Batseba, a mulher de Urias.
Todas as desgraças subsequentes à família do filho de Jessé vieram em consequência do juízo de Deus sobre esse grave pecado. Ninguém, vivendo num corpo de carne pode evitar receber esse andarilho. Como o alimentamos é a questão.
José, quando mordomo de Potifar, no Egito, recusou ao assédio da esposa daquele, que queria banquetear sua cobiça às expensas da fidelidade do hebreu.
Salomão escreveu nos seus provérbios severa advertência quanto ao adultério, talvez, tendo como pano de fundo a triste história de seu próprio pai.
Narrando a estupidez de um jovem seduzido por uma adúltera disse: “E ele logo a segue, como o boi que vai para o matadouro, e como vai o insensato para o castigo das prisões; Até que a flecha lhe atravesse o fígado; ou como a ave que se apressa para o laço, e não sabe que está armado contra a sua vida.” Pv 7; 22 e 23
Claro que isso soa deveras estranho a esse mundo da nova “moralidade”, onde o único “pecado” seria não usar preservativo, o resto, como diria aquela humorista, pooode.
Mas, no mesmo contexto, um pouco antes Salomão argumenta: “Ou andará alguém sobre brasas, sem que se queimem os seus pés?” Pv 6; 28 “Assim, o que adultera com uma mulher é falto de entendimento; aquele que faz isso destrói a sua alma.” Pv 6; 32
Então, cuidemos quando esse “viajante” nos visitar, para que ofereçamos um manjar lícito, ou, em sua ausência, nada impede o exercício do domínio próprio. Quantos promíscuos saltam de aventura em aventura, e, não raro, a satisfação encontrada nesses erros é igual, quando não inferior ao que se possuía licitamente. Resulta que não ocorre devido a necessidades do corpo, antes, aos vícios da alma, como aconteceu a Davi.
Mas, falar em domínio próprio em nosso tempo? O negócio não é ficar, pegar, beijar muuuito? É, essa sociedade imoral hedonista, apregoa e vive tais coisas.
De fato, a ideia de domínio próprio é bem antiga, discutida uns 500 anos antes de Cristo, nos dias de Sócrates. “Significa, segundo creio, que na alma do mesmo homem existe algo que é melhor e algo que é pior; e quando o que por natureza é melhor domina o pior, diz-se que o homem é senhor de si mesmo, o que se constitui um encômio; (elogio)
Mas quando, por educação defeituosa ou em resultado de más companhias, o melhor leva desvantagem ou é sobrepujado pela força numérica do pior, isso se censura como opróbrio e diz-se do homem em tais condições, que é escravo de si mesmo, e intemperante.” (Platão A República pg 90)
Afinal, educação defeituosa e más companhias sobejam em nosso existenciário moderno. A começar pelas porcarias das novelas e dos “Reality Shows” que nada mais são que estímulos ao vício travestidos como se fossem competições. Quanto às companhias, o desejo da maioria é de aceitação a qualquer custo, a Turma do “me engana que eu gosto” ou, “mente pra mim, mas, diz coisas bonitas” já não tem paladar para os chatos verdadeiros, infelizmente.
“Fácil é ser colega, fazer companhia a alguém, dizer o que ele deseja ouvir. Difícil é ser amigo para todas as horas e dizer sempre a verdade quando for preciso. E com confiança no que diz.” ( Carlos Drommond de Andrade)