Matar a sede

Vi certa vez um filme, não me lembro dos nomes dos autores e atores, e nem mesmo o título da película. Mas, uma cena ficou guardada em minha memória: Um jovem jardineiro trabalhava em uma mansão de uma família muito rica, em um bairro nobre da cidade. Lá morava uma moça e, por serem da mesma idade, começaram a se interessar um pelo outro.

Um dia, quando conversavam no jardim, ele lhe pediu um copo d'água. A menina foi à cozinha e encontrou sua mãe. Ao saber o que a garota veio buscar, ela disse: "Dê a água para ele em nossos copos para serviçais que estão no armário debaixo da pia."

Em outra cena, o rapaz convida a garota para um passeio e ela o pede para ir onde ele morava. A casa humilde ficava em um local miserável do município. Lá ela conhece a mãe dele. A garota pede um copo d'água. A senhora retira do armário verde e desbotado, já gasto pelo tempo, sobre a pia, o melhor copo que tem para servi-la. É do mesmo modelo e material com o qual o garoto foi servido na residência da jovem. Então, os dois mataram sua sede no mesmo copo.

Percebemos que não importa o modelo do recipiente no qual colocamos a água, e sim o que tem dentro. A sede de nenhum dos dois seria saciada se mesmo no interior de uma taça de cristal, viesse um punhado de sal.

Da mesma forma, não interessa se o ser ao meu lado se veste de ricas vestimentas ou um simples uniforme de trabalhador. O que realmente saciará minha sede de compreensão, de companheirismo, de amor é o que o outro traz dentro.

Muito já foi dito que precisamos uns dos outros. E como escrito em um texto recebido por WhatsApp, de autor que desconheço, "você precisou do outro para nascer, para te dar o primeiro banho, alimenta-lo, vesti-lo. Seu nome foi dado por outro, você foi educado por outros. Seu dinheiro, mesmo que indiretamente, vem através de outros. Quando você vai a algum lugar se divertir, viajar, você é servido por outros."

A ceia de Natal, com a qual nos servimos, necessitou que outros cultivassem os legumes, verduras e frutas, cuidassem dos animais, para que nos servissem de alimento. Seu último banho será dado por outros. Seus pertences serão herdados por outros. Somos o outro do outro. Todos realmente precisamos uns dos outros.

Então porque deixar nossa posição social menosprezar o outro? Estamos em um momento da história cada vez mais corrido e as pessoas com menos tempo. O que não for verdadeiro e importante cairá por terra e fatalmente será excluído, deletado. Não haverá tempo para se importar se o copo é de barro ou de cristal, porque o essencial é que o conteúdo em seu interior mate a sede de amor um do outro.