Anjos em nossa vida

Anjos em nossa vida

Anjos em nossa vida

Anjo (do latim angelus e do grego ángelos (ἄγγελος), mensageiro), segundo a tradição judaico-cristã, a mais divulgada no ocidente, conforme relatos bíblicos, são seres celestiais e espirituais.

Não acredito em anjos, não como descrito acima.

Acredito que existam seres humanos como nós que tem a aptidão de ajudar pessoas. Acredito que existam pessoas tão abnegadas e devotas as causas sociais que poderiam ser chamadas de anjos, mas são apenas isso, pessoas boas.

Quando eu era criança frequentava a igreja católica com minha mãe, aliás, minha mãe foi meu primeiro anjo, não porque me levava na igreja, mas porque era uma mulher bondosa que trabalhava muito junto com meu pai, para sustentar 7 filhos e dar a eles uma vida minimamente decente.

Depois disso passei muitos anos sem conhecer anjos, ou alguém que se assemelhasse a isso. Dizem que os anjos protegem as crianças do mal. No catecismo me ensinaram que se rezasse bastante, nada de mal me aconteceria. Logo percebi que, ou os anjos não existiam, ou estavam ocupados demais com coisas mais importantes para se preocupar com uma criança de 7 anos, que apesar da idade precisava frequentar a escola pela manhã, ir para o trabalho á tarde, dormir na casa da patroa e só voltar para casa aos sábados, sem nunca ter tempo para brincar, caso não fizesse isso, não teria o que comer.

Em contrapartida parece que não faltavam anjos nas casas das famílias ricas, pois as crianças de lá nunca precisavam trabalhar, ganhavam brinquedos caros e nunca lhes faltava comida. Apesar da minha pouca idade, sempre me perguntava o que estava fazendo de errado para merecer um destino tão diferente de outras crianças. E quando esses pensamentos nefastos vinham a minha cabeça eu me ajoelhava no chão, rezava todas as orações conhecidas e pedia perdão a Deus por aquela blasfêmia.

Dos 12 aos 18 anos conheci aquela que poderia ser considerada um verdadeiro anjo em minha vida. Uma vizinha que conhecíamos apenas pelo nome de Clari. Um dia comentei que gostava muito de ler, mas que não tinha acesso a muitos livros. Ela me mostrou sua coleção de livros dos Irmãos Grimm, escritores alemães que se especializaram em contos infantis e populares. Fiquei fascinada e pedi emprestado. Li e reli todos eles durante o pouco tempo que me sobrava entre a escola e os empregos. Sempre que podia ia até lá conversar com ela e me tornei amiga de seus 4 filhos. Sua filha se tornou minha melhor amiga e brincávamos juntas sempre que dava. Dona Clari um dia me falou de outras culturas, me falou da Índia, sua espiritualidade, seus vários deuses. Achei fascinante, um lugar onde não tinha um só Deus, mas vários, cada um com seu significado e importância. Nessa época li o livro, A Índia secreta de Paul Brunton onde aprendi tudo sobre castas, brâmanes e outros.

Dona Clari seguia os ensinamentos da antiga e Mística Ordem Rosae Crucis (A.M.O.R.C.) um movimento filosófico, iniciático e tradicional mundial, não religioso e apolítico, aberto a homens e mulheres sem distinção de raça, religião ou posição social. Daí suas ideias tão diferentes. Eu achava muito bom os pensamentos deles, mesmo assim, nunca entrei para essa ordem.

É claro que com o tempo fui lendo mais e descobri que assim como em nosso país, na Índia nem tudo são flores, e que apesar de muitos deuses existe também muita miséria e pobreza. Nada diferente do que é aqui.

Mas o que ela na verdade queria, era que eu entendesse que existem diferentes formas de se verem um Deus, e todas elas a seu modo, servem de consolo a quem os procura. Também serviu para que minha mente se abrisse para o diferente, para o inusitado. Tenho muita gratidão por ela ter aberto minha mente, e me ajudado a ter um pensamento mais crítico. Acredito que o fato dela ter sido enfermeira do antigo SAMDU, na época, também o fato de conviver o dia todo com pessoas pobres, que necessitavam de assistência médica gratuita, fazia com que ela conseguisse ver de uma forma diferente cada pessoa, por isso não julgava ninguém, apenas tentava ajudar. Foi graças a ela que não morri de pneumonia dupla. Acordei uma manhã com febre alta e fortes dores no peito, minha mãe fez um chá, porque era só o que ela sabia fazer. A febre aumentou muito a ponto de minha mãe finalmente parar de ouvir meu irmão, que havia se tornado evangélico recentemente, e dizia que aquilo era o castigo merecido por eu ter abandonado a igreja, e chamar Dona Clari para ajudar. Assim que Dona Clari me viu, colocou a mão em minha testa, ligou imediatamente para o SAMDU e uma ambulância veio me buscar. Depois de algumas injeções de antibiótico, que Dona Clari mesmo me aplicava todo dia, minha saúde se restabeleceu. Também foi nessa época que eu decidi de uma vez por todas que nunca mais pisaria numa igreja evangélica. Os anos se passaram, minha vida correu como a de todo pobre, trabalhando de dia e estudando á noite. Depois de muito trabalho mal remunerado e patrões horríveis, finalmente consegui um emprego decente como funcionária pública estadual e o resto é história.

Porém nunca deixei de questionar, ler, procurar saber tudo sobre: religião, deuses, fé, crendices de todos os tipos, concluindo assim finalmente, que não existem anjos, nem deuses, nem demônios, somos apenas nós, o mundo e algumas pessoas boas que nos ajudam a escalar montanhas e chegar ao topo, e outras ruins que se puderem vão nos empurrar para baixo toda vez que tentarmos subir.

E sim, podemos chamar as boas de Anjos e as más de demônios, mas isso não mudará o fato de que eles nunca existiram.

 

Claire Fraser
Enviado por Claire Fraser em 23/09/2024
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