Nossos nomes sem-graça para os dias da semana
Os nomes dos dias da semana em português são mesmo muito sem-graça. Para o resto dos países ocidentais, os nomes dos dias da semana são uma referência aos deuses patronos de cada dia. Nas línguas latinas, estes dias derivam dos deuses romanos referentes aos astros conhecidos da época. No original temos:
Solis dies, o dia do sol: a semana deveria começar com um dia de descanso, de culto aos deuses, e ao maior astro, o sol, para serem abençoados pelos dias que se seguiriam; Lunae dies, o dia da lua: segundo astro mais importante para o culto romano, o segundo dia da semana era dedicado à lua, e a sua influência no plantio e nas marés; Martis dies, dia de Marte: para o deus da guerra, um dia dedicado à prática das artes da guerra e dos exercícios físicos e esportivos; Mercurii dies, dia de Mercúrio: dia dedicado ao patrono dos comerciantes e viajantes; Jovis dies, o dia de Júpiter: o “Deus Pai”, Júpiter (Diu Pater) era o criador da natureza, das chuvas, das colheitas, portanto este dia era dedicado à natureza e seu criador; Veneris dies, o dia de Vênus: o astro mais brilhante do céu era também o símbolo do ouro, e por isso este dia foi dedicado à Vênus, pois era neste dia que os soldados romanos recebiam seus pagamentos, em ouro; Saturni dies, o dia de Saturno: ao deus do tempo foi dedicado o último dia da semana (septi mana – sete manhãs), e era um dia dedicado à reflexão, descanso e às ceias com a família.
Com a influência da igreja católica no império romano, após o Concílio de Nicéia, no século IV, o sétimo dia da semana passou a ser dedicado ao Shabbatt judeu, o dia em que Deus descansou de sua criação; e o primeiro dia da semana passou a ser dedicado ao próprio Senhor Jesus, para se combater o culto ao Senhor Sol, tornando-se assim, o dia do senhor, o Dies Dominica. Essa primeira modificação só influenciou a Europa latina. Na Europa germânica os nomes dos dias dedicados a saturno e ao sol permaneceram, como podemos ver no inglês: Saturday e Sunday.
Porém, foi São Martinho de Dume, bispo de Braga e conhecido por apóstolo dos suevos, que, dirigindo o Primeiro Concílio de Braga, que durou pelos anos de 561 a 563, seguindo uma orientação notória de São Cesário, bispo de Arles, modificou por completo os nomes dos dias da semana. Os concílios de Braga foram concílios regionais e só abrangiam as decisões da igreja dentro de seu território de influência, que era justamente a geografia do que veio a ser mais tarde Portugal. É por esta razão que somente na região do que veio depois a ser Portugal se seguiu a tradição bracarense dos nomes dos dias da semana modificados pela igreja. No resto da Europa católica essa orientação não foi seguida pelos outros episcopados. Tanto que permaneceu o mesmo equivalente da antiga nomenclatura romana nas línguas latinas (apenas com a exceção do primeiro e do sétimo dia, já modificados no Concílio de Nicéia), como podemos notar no espanhol (Lunes, Martes, Miércules, Jueves, Viernes, Sábado, Domingo), no francês (Lundi, Mardi, Mecredi, Jeudi, Vendredi, Samedi, Dimanche), e no italiano (Lunedi, Martedi, Mercoledì, Giovedi, Venerdì, Sabato, Doménica), por exemplo.
São Martinho, combatendo o paganismo romano nas nomenclaturas conhecidas, substituiu os antigos nomes romanos por dias que deveriam ser dedicados às festas litúrgicas. Assim, foi decidido que a partir deste Concílio, naquela região, os dias deveriam ser denominados como: Dominica dies, Feria Secunda, Feria Tertia, Feria Quarta, Feria Quinta, Feria Sexta, Sabbatum. No latim, Feria tinha o sentido de Festa (no caso, festa litúrgica, de onde veio o nome Feriado).
Com o passar dos anos, através do desenvolvimento da língua portuguesa, a palavra Feria foi substituída pela palavra Feira, porque Feira era o dia do mercado. Assim, os nomes dos dias da semana em português tiveram sua atual modificação: Domingo, Segunda-feira, Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira, Sábado (A Terça-feira não foi nomeada como Terceira-feira porque seguiu a pronúncia latina do seu original Tertia).
Como observação, São Martinho também propôs a modificação dos nomes dos planetas conhecidos para nomes católicos. Mas o concílio não decidiu por esta modificação. Se decidisse a favor, a língua portuguesa não chamaria os planetas Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno assim como os conhecemos por seus nomes romanos.
Por fim, quando Portugal se tornou um Estado unificado, a tradição já passava de meio século, tradição esta repassada aos países que Portugal colonizou, como é o caso do Brasil. A conclusão é que, apesar de São Martinho ter sido um doutor da igreja de importância fundamental para a união das regiões que formaram Portugal, infelizmente deixou como legado também um significado medíocre para os dias da semana, na quinta língua mais falada do mundo.