A MORTALIDADE DO SER HUMANO INDEPENDENTEMENTE DO QUE ELE SEJA

A mortalidade do ser humano independentemente do que ele seja foi muito bem ressaltada, num período, castiçamente redigido, pelo grande VIEIRA, que, num de seus inúmeros sermões, assim se pronunciou, in verbis:

“Passou Pirro, passou Mitridates, passou Filipe de Macedônia; passaram Heitor e Aquiles, passaram Aníbal e Cipião, passaram Pompeu e Júlio César, passou o grande Alexandre, nome singular e sem parelha, e até Hércules, ou fosse um, ou muitos, todos passaram, porque tudo passa.” (Padre Antônio Vieira, 1608-1697 – escritor português notável e grande pregador sermonário, nascido em Lisboa, clássico seiscentista, de estilo vivíssimo, descrições cheias de colorido, de propriedade, de riqueza e adjetivação muito segura).

O extraordinário VIEIRA, no seu brilhante período de doze orações, que, a seguir, vão ser classificadas, para que se possa ver, melhor, o valor do conhecimento da análise sintática, evidenciou, magistralmente, que o homem – ou o ser humano, mesmo que seja rei, ou imperador, ou presidente, ou ditador, ou poderoso, ou guerreiro, valente ou covarde, famoso ou desconhecido, rico ou pobre, negro ou branco, bonito ou feio, culto ou inculto, irá morrer – e nada do que ele é importa, porque o seu destino final é a morte. No seu período, pelo que se vê, ele – VIEIRA, citou uma plêiade de homens que fizeram a História da humanidade, mas, não obstante tudo isso, todos morreram ou pereceram, em sua maioria de morte prematura ou violenta.

A verdade é que, como é sabido e já era dito pelo ilustre filósofo grego ARISTÓTELES e pelo notável lexicólogo português CALDAS AULETE, “Todo o homem é mortal.”

O citado período de VIEIRA, para a sua melhor compreensibilidade, vai, aqui, ser dividido em orações, que vão ser devidamente classificadas e explicadas, com as suas particularidades, para, assim, também, ficar ressaltada a importância do conhecimento e do estudo da análise sintática, da qual o Autor deste artigo, desde a sua adolescência, foi um estudioso, e pela qual tem e sempre teve grande predileção, por tudo o que ela representa.

O período acima, sintaticamente, é composto por coordenação e subordinação e consta de doze (12) orações, as quais, pela ordem, têm a seguinte classificação: 1ª oração: “Passou Pirro,...” – é a inicial, independente; 2ª oração: “...passou Mitridates,...” – é coordenada assindética, também independente; 3ª oração: “...passou Filipe de Macedônia;...” - é coordenada assindética, igualmente independente; 4ª oração: “...passaram Heitor e Aquiles,...” – é coordenada assindética, outrossim independente; 5ª oração: “...passaram Aníbal e Cipião,...” – é coordenada assindética, da mesma forma independente; 6ª oração: “...passaram Pompeu e Júlio César,...” é coordenada assindética, também independente; 7ª oração: “...passou o grande Alexandre, nome singular e sem parelha,...” – é coordenada assindética, igualmente independente (nome singular e sem parelha é aposto explicativo do sujeito Alexandre); 8ª oração: “...e até Hércules,...” - é coordenada sindética aditiva, outrossim independente (=...e passou até Hércules..., com a elipse do verbo passar); 9ª oração: “...ou fosse um,...” – é subordinada adverbial condicional e coordenada sindética alternativa com a anterior (= ou se fosse um – a conjunção subordinativa adverbial condicional se está elíptica, portanto); 10ª oração: “...ou muitos,...” – é, igualmente, subordinada adverbial condicional e coordenada sindética alternativa com a anterior (=...ou se fossem muitos,... – com a elipse do verbo ser e da conjunção subordinativa adverbial condicional se); 11ª oração: “...todos passaram,...” – é coordenada assindética, igualmente independente, e principal em relação à seguinte; 12ª oração: “...porque tudo passa.” – é subordinada adverbial causal.

NOTAS: 1ª – A repetição incessante do verbo passar é uma figura de estilo ou de pensamento chamada de ANÁFORA, que, segundo JOSÉ MESQUITA DE CARVALHO, é “Figura de pensamento que consiste na repetição da mesma palavra, no começo de cada membro de frase, para chamar atenção do leitor ou do ouvinte, para a palavra repetida.”

Ou, conforme o Professor ÁLVARO MAGALHÃES, é “Figura pela qual se começam com a mesma palavra diferentes frases ou membros de uma frase. Ex.: ‘Tudo cura o tempo, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba’ (Vieira).”

2ª – No período supra, castiçamente construído, deve ser ressaltada, ainda, a figura conhecida por ANÁSTROFE, pois, pelo que se vê, nele há inversão de termos em quase todas as orações, desde o início.

Conforme NAPOLEÃO, “ANÁSTROFE (gr. anastrophé = inversão) é nome que designa a simples inversão dos termos da oração, isto é, a deslocação do sujeito, do verbo ou dos complementos: ‘... que escuta dos angélicos coros a harmonia’ – em vez de: ‘... que escuta a harmonia dos angélicos coros.’

“Outros exemplos: ‘Um mundo de vapores no ar flutua’ (... flutua no ar) – ‘Mas aos pombais as pombas voltam, e eles aos corações não voltam mais’ (Mas as pombas voltam aos pombais, e eles não voltam mais aos corações) – ‘Mas à nossa residência traz de dezembro a inclemência delícias a plenas mãos’ (Mas a inclemência de dezembro traz delícias à nossa residência, a mãos plenas) – ‘Nos vergéis suaves, cantam as aves, sem cessar, amores’ (As aves cantam amores nos vergéis suaves, sem cessar).”

3ª – O verbo passar, no período acima, é intransitivo e está empregado com a acepção de “desaparecer, ir-se; deixar de existir; acabar”, e, também, de morrer, perecer, finar-se.

4ª – O verbo passar, como intransitivo, tem, também, a significação de “percorrer um lugar sem nele se deter; transitar: ‘Couraçado de ferro, épico e deslumbrante, passa no seu ginete um cavaleiro andante’ (G. Junqueiro, A lágrima).”

5ª – O verbo ser, igualmente, a exemplo do verbo passar, no elegante e bem construído período de Vieira, é intransitivo, porque, nele, está empregado com o sentido de existir, haver, passar, acontecer, suceder.

Como conclusão do que ora se trata, é necessário seja dito, na oportunidade, que fica difícil alguém, a contento, de modo preciso e convincente, compreender ou interpretar um texto da língua portuguesa, sem um conhecimento, ainda que superficial, de análise sintática, que, infelizmente, teve o seu estudo banido e retirado dos colégios, onde os professores não a ensinam mais aos seus alunos, que, por isso, dela pouco têm conhecimento – e, as mais das vezes, em face disso, não conseguem entender o que era o dever e a obrigação de cada um.

Todas essas considerações acerca de análise sintática foram feitas, aqui, em virtude da interpretação apresentada no magnífico período de VIEIRA, onde ele disse muito com poucas palavras, graças ao conhecimento que tinha sobre a língua portuguesa – a “última flor do Lácio, inculta e bela”, nas palavras do príncipe dos poetas brasileiros OLAVO BILAC.

Biguaçu, 29 de março de 2019

Trogildo José Pereira.

Trogildo José Pereira
Enviado por Trogildo José Pereira em 29/03/2019
Reeditado em 01/04/2019
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