Você sabe qual é o feminino de músico em Angola? (por Caetano de Sousa João Cambambe)
De acordo com o Bom Português (2015, pág. 139), música, como profissão, é o feminino de músico. Ou seja, se o homem é músicO, então, a mulher é músicA. Soa estranho, pois não?
Para o Bom Português, a formação daquele género obedece à regra daqueles nomes que no masculino terminam em O (por exemplo, alunO) e que, para passar para o feminino, exclui-se/troca-se a desinência O por A (por exemplo, alunA ), a fim de se formar o feminino. Logo, para a acepção em causa, de acordo com o manual em apreço, o feminino de músicO é músicA.
Ora, no português contemporâneo de Angola, digamos, músico como tal nunca teve feminino. Em Angola, mormente em Luanda, para se indicar o feminino de alguém que faz música como/por profissão, como/por arte, vai-se à busca, principalmente, de ’’cantora’’, a fim de designar uma mulher que faz música (arte/profissão); e, noutros casos, simplesmente se prefere o nome da artista (Ary).
Música, por sua vez, em Angola é unicamente empregado como ‘’a arte de combinar os sons de modo agradável ao ouvido’’. Senão, como fazedor(a) de música, não se usa em Angola, particularmente em Luanda.
Em outras palavras, chamamos de música àquele produto já sonorizado, masterizado, captado, instrumentalizado, que simplesmente chega(m) até a nós em formato MP3, que nos possibilita ouvir no carro, no telemóvel, etc.
Nem já a Ary se admitiria que lhe chamassem de ‘’música’’. Dizer que a Ary é uma música, para os angolanos, tal construção é meio estranha, está fora do seu sistema linguístico, da sua realidade linguística, embora a tradição gramatical portuguesa, e ainda bem que é portuguesa, olhe para aquilo como um "bom português".
Torna-se facílimo, até porque é o mais usual e o mais contemporâneo em Angola, particularmente Luanda, dizer que a Ary é uma cantora, simplesmente para não lhe deixarmos num embaraço semântico, chegando mesmo a causar problemas na comunicação. Ary é uma música? Que estranho, hein! Ela até pode ser uma música em Portugal, mas em Angola, meus irmãos na língua, Ary nunca foi uma música. É uma cantora! Talvez possa ser daqui a vinte mil centenário(s). Ainda assim, resta-nos duvidar se, em Portugal e no Brasil, aquelas mulheres que fazem música como arte e profissão se são, eventualmente, vistas como músicas. (risos)
Eu não sei onde é que os nossos colegas gramáticos vão buscar isso. É um português fora de uso. É um português arcaico. É um português fora da realidade. É um português utópico!!!!