Capítulo 16 – O amor sempre esteve lá

 

Deixei que tudo desaparecesse
E perto do fim
Não pude mais encontrar
O amor ainda estava lá

 (Canção pra Você Viver Mais — Pato Fu)


 
Acordamos na cama. Bem, eu acordei primeiro e vi Lana dormindo serenamente. Em seguida, ouvi um miado e Dinorá pulou na cama, anunciando sua robusta chegada.

- Oi, gorducha. – Ela se aproximou, sentando na minha barriga. – Aprontou muito? – E em resposta, miou novamente. – Está vendo essa mulher preguiçosa aí? Vai morar com a gente por uns dias. Não conta para ela, mas estou muito feliz com isso.

- Essa mulher preguiçosa está ouvindo – Lana me deu um tapinha no ombro. – Bom dia, amor da minha vida! - Não, ela não falou isso para mim, falou para Dinorá. – E aí, Ander.

- Bom dia, Hassenback! – Dei um selinho nela. – Dormiu bem?

- Muito. - Ela puxou Dinorá do meu colo e a acolheu em seus braços. – Apesar de ter uma pessoa espaçosa na cama.

- Está falando de si mesma?

- Idiota.

- Ei, vou tomar banho e fazer algo para comermos. – Saltei da cama e segui para o banheiro.

Entrei debaixo do chuveiro e deixei a água quente bater nas minhas costas, trazendo uma onda de relaxamento e satisfação. Alguns minutos depois, ouvi o barulho da porta sendo aberta.

- Olha só quem veio me fazer companhia... – Lana me abraçou por trás e deixou uma mordidinha nas minhas costas. Me virei e a encostei na parede. Os olhos verdes eram desafiadores e sensuais.

Lana me beijou lentamente, e como sempre, o contato do seu corpo me causava um frenesi. A agarrei pela cintura, dominando-a com facilidade. Deitei a cabeça em seu ombro, respirando lentamente, me perguntando se era realmente possível um sentimento ser tão intenso assim. E infelizmente era.

- O que foi? – Perguntou ela, notando o meu silêncio repentino. – Cansou?

- Não. Estou tentando controlar as batidas do meu coração. – Ouvi sua risada alta e a soltei lentamente. – É sério.

- Vamos parar, não quero que você morra. – Declarou, num tom leve. – Se você morrer com quem vou passar o resto da minha vida brigando?

- Isso é verdade. – Toquei seu rosto e dei um beijo em sua testa. – Quem é que vai ter paciência com você?

- Ninguém!
 
Depois do banho, Lana e eu tomamos um café rápido e voltamos para a sala concentrando todas as nossas atenções em Dinorá, o nosso bebê felino. Parecia apenas uma tarde como qualquer outra, até ouvirmos uma acalorada discussão no apartamento vizinho.

“EU ESTOU CHEIA DE VOCÊ ME DIZENDO O QUE DEVO OU NÃO FAZER, VÓ! VOCÊ MENTE PARA MIM!”

“ME RESPEITA, DIANA! EU SOU A SUA AVÓ E SEI QUE O QUE É MELHOR PARA VOCÊ!”

Lana e eu trocamos olhares preocupados.

- É sempre assim? – Perguntou.

- As vezes as duas brigam. A menina tem 17 anos e é mãe de uma bebê, daí a avó sempre a vigia. É uma relação um tanto complicada.

- Nossa...

“EU VOU VER O PAI DELA SIM E VOCÊ NÃO VAI ME IMPEDIR!”

“TENTE SAIR DESSA CASA PARA VER, GAROTA!”

Nessa hora, nos levantamos e fomos até a porta. A avó tentava segurar a menina pelos cabelos, mas não conseguiu e a neta saiu correndo pelo corredor. Era possível ouvir o som da bebezinha chorando ao fundo.

- PELO O AMOR DE DEUS, NÃO A DEIXEM FUGIR! – Vi quando Lana a acompanhou com olhar, até correr atrás de Diana. – Eu não aguento mais! Você vê, Ander! toda semana essa menina de malcriação comigo. Eu dou tudo para ela! Estudo, comida, um teto, uma chance de continuar com a vida dela, mas nada está bom! Sempre está atrás daquele moleque imbecil que a engravidou!

Ela entrou em casa aos prantos, e por conta de toda aquela movimentação, a segui, preocupado. A bebezinha chorava a plenos pulmões no chão da sala, rodeada de ursos e brinquedos. Não tenho a menor afinidade com criança e não sei o que me motivou a pegar aquele pequeno ser no colo, mas peguei. O mais engraçado é que aquilo foi extremamente confortável. Eu nem ouvia mais as queixas da velha senhora ao meu lado.

- Ei, bebê... Está tudo bem! Sua mãe vai voltar, eu prometo. – Murmurei, afagando sua cabeça de ralos cabelos escuros. – Eu prometo...

Espero que a Lana tenha sorte com a Diana.
 
(...)
 
- VAI EMBORA! – Diana esbravejou, ao ver uma exaurida Lana vindo em sua direção. – EU QUERO FICAR SOZINHA!

Lana sentou-se ao lado dela no chão. As duas assistiram a visão do horizonte paulistano, um verdadeiro labirinto místico. Tinha algo muito bonito e profundo naquela visão bastante cinza.

- Como você se chama? – Perguntou Lana, tranquilamente.

- Diana. – Ela respondeu, ainda com a voz chorosa. – E você?

- Lana. – As duas se olharam. – Muito prazer.

- Eu já te vi algumas vezes no prédio. É namorada do Ander, não?

- Amiga. – Lana deu um risinho de sua própria resposta. – É complicado. E você? Qual é a sua história?

- Eu quero estar com o pai da minha filha, mas a minha avó não permite. Não aguento mais. – A adolescente deu um suspiro alto e limpou as grossas lágrimas do rosto. – A mãe dele é rica, sabe? Acho que pagou para a minha avó me manter longe dele.

- Ele sabe da bebê?

- Não sabe. A minha avó ligou para a mãe dele fazendo um escândalo. Tenho certeza que foi nesse dia as duas fizeram um acordo para me manter longe dele. Eu sinto tanta falta do Taires. Sei que não tenho idade, mas realmente é amor, entende?

Se tinha uma coisa que Lana entendia, era de amor. Pensou em Ander na mesma hora e sorriu.

- Entendo. Eu conheci o Ander com 15 para 16 anos. Tivemos uma história cheia de idas e vindas, mas agora somos amigos. – Toda vez que se via obrigada a repetir isso, seu coração apertava. – Vou me casar com outro homem.

- Você ama o Ander?

Lana a olhou de soslaio e deu um longo e doloroso suspiro. Ela não gostava de pensar nisso, no quanto amava Ander. Era como se nada pudesse explicar o que realmente sentia. Pensou em tudo que viveram desde o reencontro e por fim, acabou sorrindo.

- Sim, você o ama. – A voz de Diana fez Lana acordar de seus pensamentos. – Por que você não fica com ele?

- Nós estamos em caminhos diferentes, muito diferentes.

- Mas agora vocês estão juntos. Isso não deveria ser tudo?

A pergunta pegou Lana de surpresa. Sim. – Respondeu, mentalmente - Deveria ser tudo, mas não era. E isso era realmente muito triste.

- É mais difícil do que parece, Diana.

- O amor não deveria ser tão difícil assim.

- Acho que não é o amor que é difícil. – Lana murmurou, pensativa. – Mas sim as pessoas.

- E se ele for embora para sempre, Lana? – A mudança no foco daquela conversa não a incomodou. – Você não tem medo?

- Todos os dias da minha vida, Diana. Todos os dias eu consigo vê-lo indo embora para sempre. Não sei como me desfazer desse medo.

- Não o deixe ir embora, Lana. Todos os dias sinto falta do Taires. Falta de como era fácil sorrir perto dele, de como a conversa tinha sentido, tinha laço, amor e cumplicidade.

- Então não o deixe ir, Diana. – Ela repetiu as palavras da garota. – Fale para ele sobre a filha de vocês.

- E como vou me livrar da minha avó?

- Eu e Ander te ajudaremos com isso. Me passe o telefone dele.

- O que você vai fazer?

- Fique tranquila, vai dar tudo certo!

As duas se abraçaram, formando ali uma bela e inusitada amizade.
 
(...)
 
Algumas horas depois Lana e Diana voltaram para o apartamento. Fui flagrado numa constrangedora cena em que dançava para Maria. Quando me virei, imitando algo que devia ser um boneco de posto, as duas garotas me olhavam aos risos.

- Ah, vocês voltaram! – Tirei o chapéu de lençóis da cabeça. – Diana, a sua avó saiu dizendo que voltaria logo. Tive que distrair a Maria.

- Obrigada, Ander. – Diana seguiu em direção a filha, que já chamava a mãe com as mãozinhas gordas. – Oi, minha vida!

- Você é ridículo. – Lana sussurou aos risos quando me encostei ao lado dela.

- Cala a boca.

- Pessoal, muito obrigada mesmo pela ajuda. – Diana ajeitou a filha nos braços. – E desculpa pela barulheira, mas tem hora que minha avó me tira do sério.

- Fica tranquila! – Falei, mandando um beijo para Maria. – Precisando, nos chame aqui do lado.

- E pode deixar que assim que eu conseguir resposta sobre aquele plano, te mando mensagem. – Olhei para Lana sem entender o significado de suas palavras. – Eu te explico depois. Tchau, Diana.

- Tchau, Lana! Tchau, Ander!

Retornamos para o meu apartamento. Dinorá estava bem na porta, nos julgando com seus imensos olhos claros.

- Oi, bonitona! – No momento em que Lana ia pegá-la, a gata miou e foi embora. – Nossa!

- Ela é muito ciumenta. - Sentei no sofá e Lana veio para o meu lado. – O que você e a Diana estão aprontando?

- Vou ligar para o pai da filha dela e ajuda-los a terem um encontro na sacada.

- Lana... – Coloquei a não no rosto e balancei a cabeça negativamente. – Essa é uma péssima ideia.

- Aquela velha maluca vai estar dormindo. Pode confiar que vai dar tudo certo!

- E por que você está tão engajada nessa ideia?

- Acho que é a questão do amor adolescente, não sei. - Dei uma risadinha de lado e ela me cutucou, sorrindo sem jeito. – E como foi com a bebê?

- Ela é incrível, eu adorei. – Me peguei com um sorriso bobo nos lábios. – É um cheirinho tão diferente que tem os bebês, o jeito que eles nos olham, como se fossemos pessoas curiosas e incríveis... Acabei pensando como seria ter meu próprio filho. Que doideira!

Foram palavras totalmente espontâneas e baseadas numa emoção nova, por isso, demorei a me dar conta do silêncio da mulher ao meu lado. Ela se ajeitou no sofá, parecendo bastante desconfortável.

- Lana?

- Hum?

- O que foi? – Eu a olhei, curioso. – Por que ficou assim?

- Você acha que se tivéssemos namorado na adolescência estaríamos juntos hoje?

- Acho que a vida teria nos afastado de alguma forma. – Respondi, de forma bastante honesta e depois segurei a sua mão, suavemente. – Por que a pergunta?

- Não sei. – Eu a abracei de lado. – As vezes fico pensando como seria a nossa vida se fossemos como a Diana, Maria e o Taires.

Beijei sua bochecha e fiz carinho em sua orelha, ela se ajeitou nos meus braços, até parar no meu colo e se equilibrar graças as minhas mãos em sua cintura.

- Você seria um pai incrível, Ander.

- Ah, acho que não... – Dei de ombros. – Eu tenho medo de projetar meus traumas em um filho.

- Não acho que você faria isso... E sabe por quê? – Ela me deu um beijo na testa. – Você teria tanto ânsia em fazer diferente que nunca pensaria em machucar um filho. - Eu a abracei pela cintura. – A mulher que casar com você terá muito sorte.

Ela deu uma trilha de beijos pelo meu rosto, até chegar nos lábios. Eu quis tanto dizer para ela que não havia sentido me casar com outra mulher ou mesmo ter um filho que não fosse nosso, mas fiquei em silêncio.

No fundo, Lana sabe disso tudo.
 
(...)
 
Na madrugada, ajudamos Diana a encontrar o pai de Maria. Foi um momento um tanto quanto bonito que fez até a mais dura das mulheres chorar inconsolavelmente.

- Eu não consigo parar de chorar. – Lana abanou os olhos, emocionada.

Maria, agora no colo do pai, o olhava com uma curiosidade encantadora. Diana o abraçou de lado e juntos os dois olhavam para o pequeno fruto do amor deles.

No fim, o amor sempre esteve lá.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 18/01/2021
Reeditado em 18/01/2024
Código do texto: T7162875
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