Capítulo 12 – Socialmente impossíveis
Às 20h encontrei Lana na porta do prédio me esperando para irmos à festa no centro da cidade. Ela mexeu nos longos cabelos cor de chocolate, que brilhavam ainda mais com o vestido vermelho um pouco acima do joelho. O vermelho também presente no batom de seus lábios a deixavam ainda mais irresistível. Os olhos verdes pareciam aguardar alguma aprovação da minha parte. O que é engraçado, já que não temos absolutamente nada e ela vai se casar com outro homem.
Bem, talvez eu esteja levando por esse lado, mas ela só quer um simples elogio.
- Você maquiada dessa forma fica muito femme fatale! – Comentei, espontâneo. – Como fosse capaz de matar um homem com um olhar.
- Nossa, eu exagerei? – Ela ajeitou a alça da bolsa no corpo.
- Não.
- Mesmo? – Eu parei na frente dela e segurei a sua mão. – Lá vem...
- Você está linda, Lana Hassenback. Irritantemente linda, como sempre! – Vi quando ela ficou de costas, escondendo um sorriso. – Agora vamos. Se eu chegar atrasado vou ouvir bronca do meu chefe.
Quando chegamos no local, um belo e bem decorado terraço, todos os meus colegas já estavam presentes. Muita conversa, riso, brincadeira e significativos olhares em cima da minha convidada. Ela ficou ao meu lado, totalmente indiferente ao quanto chamava a atenção por simplesmente existir. No bar foi a mesma coisa, não notou um olhar sequer. Como ela consegue ser assim? Juro que não sei.
Encontrei meu chefe ao lado de Gabriela, num muro que dava visão a todo o centro. Segurei a mão de Lana e a guiei comigo. O olhar de Gabriela encontrou o meu e ela sorriu, mas com sarcasmo.
- Boa noite, gente!
Apresentei Lana aos que não a conheciam. Todos pareciam muito surpresos com a estonteante beleza de Lana. Na hora de Gabriela cumprimenta-la, senti um clima estranho no ar, mas as duas foram bastante cordiais.
- Ander, tem 1 minuto? – Perguntou Gabriela, tomando todo o cuidado para não deixar o clima pesar ainda mais.
- Claro. – Fomos para um canto mais afastado. Vi Cláudio, meu colega de trabalho se aproximar de Lana. – O que houve?
- Vocês estão juntos?
- Sim, mas como amigos.
- Ah, jura? – O deboche em sua voz começava a me incomodar. – Sério que você não percebe que está sendo usado, Ander?
Segui seu olhar e vi que Lana e Cláudio pareciam entretidos numa conversa muito engraçada. A idiota ria e gesticulava, toda animada. Ela nem gosta de rir muito, pelo o amor de Deus!
- Eu não sei do que você está falando, Gabi. – Menti, sem conseguir olhá-la.
- Você vai perceber. – Murmurou, seca. – Espero que não seja tarde.
E então ela saiu, visivelmente irritada. Retornei para a conversa, parando ao lado do meu chefe. Ninguém percebera como o clima havia pesado entre nós dois. Um tempo depois vi Lana e Cláudio sumindo no meio da multidão. Respirei fundo, tentando não deixar aquilo me incomodar.
Tarde demais.
“Para quem eu quero mentir?” – Perguntei, indo atrás de uma bebida.
Fui encontrar Lana já era 3h da manhã. A festa tinha acabado e os ainda presentes conversavam em grupos reservados. Me sentei ao seu lado e um forte cheiro de álcool tomou conta do local.
- Ei. – Mexi em seu cabelo. Ela abriu um olho e depois o outro. – Está bem?
- Ótima! – A voz dizia o contrário, mas resolvi não falar nada. – E você? Cadê a sua amiga?
- Gabriela foi embora faz um tempo. E o Cláudio?
- Me deixou sozinha depois que falei que vou me casar. – Ela se virou para me olhar. – E foi difícil fazê-lo entender isso.
- Eu imagino. - Lana entrelaçou nossas mãos e se aproximou. Identifiquei o cheiro de vinho na sua respiração falsamente controlada. – Quer água?
Ela balançou a cabeça em um não e mordeu o lábio. Depois me olhou de soslaio.
- Você gosta dela? – A pergunta tinha coragem e uma curiosidade verdadeira. Coisa que só o álcool faz com Lana Hassenback.
- De quem?
- Daquela moça, Gabriela.
- Ela é só minha colega de trabalho.
- Responde a minha pergunta.
- Não gosto.
Eu ouvi a sua respiração tensa que denunciava algo prestes a acontecer. E aconteceu. Lana sentou no meu colo e selou nossos lábios. Instantaneamente me virei, a evitando.
- Lana, para com isso! Você está bêbada! – Murmurei.
- Estou um pouco bêbada, mas sei que você quer. – Ela segurou o meu rosto, mas continuei me debatendo. – Ander... Por favor?
- O que é, Lana?
Tive que olhá-la nos olhos. Não teve jeito, lá estavam aquelas bolas de gude extremamente vivas, apaixonantes e misteriosas me encarando. Me tinha fácil, absolutamente fácil.
Ela encostou os lábios na minha orelha, apertou meu ombro levemente e sussurrou sensualmente no meu ouvido ouvido.
- Eu amo você. – E a desgraçada sorriu, dando uma mordidinha no lábio.
“Olha só, eu disse que te amo sorrindo sensualmente e agora todos os nossos problemas estão resolvidos.”
Deus do céu, como ela consegue ser dessa forma? Como é que eu consigo amar alguém assim?
Joguei Lana para o lado, trêmulo. E diferente da cena do cinema, agora era de fúria. Andei de um lado para o outro, irritado. O olhar dela era confuso.
- Ander?
- Que cena ridícula, Lana! Você está bêbada! – Declarei, agressivamente. – Eu não sei o que te levou a falar isso. Provavelmente para brincar com meus sentimentos de novo, mas olha só, Lana Hassenback... Dessa vez, não! – Ela apenas me olhava sem acreditar nas minhas reações explosivas.
- Você acha que isso é brincadeira? – Perguntou, tentando se levantar, mas sem força alguma, sentou-se novamente. – Sério?
- O que eu penso ou deixo de pensar faz alguma diferença para você?
- Lógico que faz diferença! Eu amo você, Ander!
- PARA DE FALAR ISSO! PARA DE FALAR O QUE VOCÊ NÃO SENTE! - Ela não me respondeu. E eu preferia desesperadamente que me respondesse. Depois desviou, baixando a cabeça. – Vamos embora, Lana. Essa noite foi um erro.
- É. – Ela levantou, meio trôpega. – Um imenso erro eu ter vindo. O melhor era você ter ficado com a Gabriela.
Não respondi a provocação, mas deveria. Sei que resultaria numa briga ainda maior e que não nos levaria a nada. A viagem até meu apartamento foi de um silêncio exorbitante, mas foi só entrarmos na sala que os ânimos se exaltaram novamente.
- Eu devia ir pra casa. – Murmurou Lana.
- São 4h30 da manhã, Lana. Espere amanhecer e você vai.
Fui em direção a geladeira e peguei uma garrafa de água para mim e outra para ela. Me sentei do lado dela, mas a certa distância. Uma distância necessária. Ainda ouvia as palavras dela na minha cabeça me torturando, testando a minha fé e me enlouquecendo.
- Está pensando nela, não? – Perguntou, repentinamente. Eu a olhei, confuso. – Gabriela. – Revirei os olhos. – Vi o jeito que ela me olhou quando chegamos e não adianta me olhar assim.
- Você quer saber o motivo do olhar?
- Sim. – Respondeu. – Me diga.
- Certo.
- Então?
- Gabriela acha que você me usa.
A reação dela não foi como eu esperava. Ela franziu o cenho, de modo debochado, como se o que ouviu fosse uma piada muito óbvia.
- Ah, é claro que ela acha isso. – Disse, dando uma risadinha gélida. – E você concorda com ela, é claro. Nós já tivemos uma conversa assim e sei como terminou.
- Lana, o que você pretende com esse assunto?
- Só quero entender em qual momento a Gabriela se tornou uma pessoa tão relevante a ponto de falar coisas sobre nós, mas imagino que você deva ter contado tudo para ela. E claro que também deu essa liberdade para el...
- Você está com ciúme? - A perguntou a pegou desprevenida, mas ela balançou a cabeça, negando. – É o que parece.
- Não estou. Não tenho motivo para isso. – A rispidez em suas palavras tinham um proposito.
- É claro que não tem. – Me levantei para espreguiçar. – Vou pegar uma coberta para você dormir. - Lana levantou, emburrada e seguiu para o meu quarto. Eu entendi o que aquilo significava, mas fiquei em silêncio. Ela se despiu, com raiva e deitou na cama de calcinha e sutiã. – Lana?
- O que foi, Ander? – Perguntou, grosseiramente. Me deitei ao seu lado. – Por que tudo conosco tem que ser assim dessa forma confusa, agressiva e maluca? Por que não conseguimos simplesmente ser amigos? Por que estou incomodada com o que a mulher que você transa acha de mim? Por que... – A aninhei em meus braços, desesperado em fazê-la se acalmar. Queria tanto que tudo aquilo significasse alguma coisa. Talvez significasse, mas era tão tênue, tão escapável, difícil de preencher e aceitar. Eu não poderia aceitar somente aquilo. Lana fungava alto, tentando controlar as lágrimas, mas sem muito sucesso. Minha camisa se encontrava encharcada. Beijei sua testa e tomei o inevitável caminho dos seus lábios. Ela foi se encaixando aos poucos. – Ander... Eu... – Toquei seus lábios, a silenciando.
- Está tudo bem, Lana.
- Não está, Ander. Não está. – Eu senti quando seus braços me apertaram. – Eu sei que não está.
- Você não quer me deixar partir e também não quer terminar com o Bruno. – Seus olhos encontraram os meus. Havia dor no seu olhar. – Eu estou preso nessa história, Lana.
- Eu não consigo mais imaginar minha vida sem você, Ander.
- Lana...
- Mas eu não posso simplesmente deixar o Bruno. Nós temos uma história, planos e sonhos. Entende?
- Eu entendo.
Ela continuou falando sem parar. Estava nervosa, meio bêbada e repetindo frases desconexas. Depois de algum tempo, Lana adormeceu em meus braços. Dormir sentindo o cheiro dela era uma sensação inigualável. Mesmo que a vida nos afastasse – e bem, afastava mesmo – ali, juntos, éramos uma coisa só. O sentimento era absoluto, mas também ilusório. E nesses momentos precisava me forçar a ser racional e ver a coisa por um único ângulo: não vamos ficar juntos.
No dia seguinte, como eu já esperava, Lana acordou e me trouxe a realidade e de um modo que digamos, bastante cruel. Primeiro ela acordou extremamente mau humorada, depois, retornou ao assunto da Gabriela e voltamos a brigar, lógico. De alguma forma, ela parecia querer brigar comigo. O ápice da nossa discussão foi quando a chamei de manipuladora e ela maldosamente revidou dizendo que a declaração na noite anterior foi uma mentira. Não eram as palavras, afinal, falar, até papagaio fala, mas sim o modo falado. Por fim, Lana foi embora dizendo que me odiava e que pretendia nunca falar comigo.
E pela primeira vez, me peguei pensando nas palavras de Gabriela.