Capítulo 1 - Ela partiu
- E esse sorrisinho bobo na cara? Flamengo ganhou o jogo?
- Cala a boca, idiota! E não é o Flamengo. – Dei de ombros, ajeitando o notebook no colo. Alexia, minha prima, soltou um risinho debochado. – Não amola, Lexi.
- Tu está mesmo apaixonado pela paulista?
- Que mané apaixonado!
- Está sim, cara!
- Não estou não. Eu só gosto de falar com ela.
- Vocês conversam o dia todo, eu nunca te vi assim com a Mariah.
- A Mariah é só minha amiga de escola, já ela... – Olhei para a tela do notebook, encantado. - É diferente... – Ela soltou outra risadinha. – Não estou apaixonado, Lexi!
- Ah, é claro! E quando ela faz aniversário? – Perguntou, animada.
- 10 de novembro.
- E como é o nome dela mesmo?
- Lana.
- Ela é escorpiana... Você taurino... Interessante.
- Ah, lá vem você falar sobre signos de novo. – Revirei os olhos enquanto observava sua expressão pensativa.
Minha prima é vidrada nessas paradas esotéricas, embora eu ache tudo meio confuso, ela já me ajudou a entender garotas com quem me relacionei na escola. Inclusive, a fugir de algumas delas.
- Depois você me passa as informações para eu fazer o mapa astral dela?
- Você quer eu pergunte a hora do nascimento dela? – Perguntei, perplexo.
- É lógico!
- Vou pensar! Agora sai do meu quarto, a Lana vai fazer uma chamada de vídeo.
- E não tá apaixonado não, né?
- Ô TIA, OLHA A ALEXIA ME ENCHENDO O SACO! – Arremessei a almofada do pé na cama, mas ela correu rindo e fechou a porta.
Novamente sozinho no quarto, voltei a dar atenção a notificação de solicitação de chamada de vídeo de Lana. Aceitei. Uma tela cheia se abriu, e com ela, a garota mais bonita que uma briga pelo Twitter já colocou no meu caminho sorria para mim.
"E aí, carioca!" – Ela me cumprimentou, dando um aceno com a mão. – "Como você está?"
- Eu estou benzão e tu? Foi pra aula de dança?
"Fui! Nossa, você nem sabe..."
Geralmente não tenho muita paciência para ouvir garotas. Achava chato e entediante pra caralho, mas não com a Lana. Eu podia ouvi-la falar por horas e horas que não me cansava. Desde que nos conhecemos, no dia do meu aniversário de 16 anos, nunca paramos de nos falar. Eram mensagens por celular, redes sociais e videochamadas. E tudo começou com uma provocação minha num tweet dela sobre o jogo entre nossos times. Ela, extremamente sarcástica, respondeu à altura e ficamos umas 2 horas discutindo, até que terminamos a briga numa conversa privada por mensagem direta.
“Seu nome é Ander de Anderson?”
“Não. Ander só de Ander mesmo. Assim como está no Twitter. Ander. A-N-D-E-R!”
“Nossa, como você é grosso!”
“Chorona.”
“Você é CHATO, prepotente e ainda por cima não dá o braço a torcer, sério! Não quero mais falar contigo!”
“HUAUHAAUHAUAUHA TU É MUITO CHORONA, HASSENBACK! SÓ ADMITIR QUE O SEU TIMINHO É UMA MERDA E TERMINAMOS POR AQUI!”
“Eu não tenho que admitir NADA! Quero que você e o Flamengo se explodam! E quem te deu a intimidade de me chamar pelo meu sobrenome, hein?”
“HASSENBACK! HASSENBACK! HASSENBACK! HASSENBACK!”
“Morra garoto!”
“Ok, vamos fazer um acordo! Eu te mostro meu lado legal se você me passar seu número!
“E quem disse que eu quero conhecer seu lado legal?”
“Pô, prometo que paro de te dizer o óbvio sobre o Corinthians.”
“Não!”
“Se tu não me der teu número vou te atormentar até conseguir. E eu sou muito persistente.”
“Blá, blá, blá. Tchau garoto.”
E ela realmente não me passou o número, mas naquele mesmo dia, à noite, descobri que ela participava do mesmo grupo futebolistico num aplicativo de mensagens. Chamei ela reservadamente, levei uma patada colossal, brigamos de novo, até que consegui uma trégua e dali em diante nunca deixamos de nos falar. E toda nossa história já faz 5 meses.
“ANDER! LARGA DESSE COMPUTADOR E VEM COMER GAROTO!”
- Já vou, tia! – Lana riu, enquanto ajeitava os longos cabelos cor de chocolate num coque. – É, dona Eleanor me chama discretamente da cozinha... Tu me espera?
"Espero sim, vai lá!"
- Lana...
"Oi, Ander!"
- Tenho uma parada para te falar.
"Fala, garoto!"
- Papo reto agora hein... Eu acho que te amo.
"Eu também amo você, seu idiota!" – Ela fez um coraçãozinho com as mãos.
- Não, Lana. Eu te amo de verdade. Não é desse jeito que os pais amam os filhos ou irmã ama irmão.
Ela me olhou, estática, ao perceber a seriedade da minha declaração. E alguns minutos depois a tela da nossa conversa simplesmente fora encerrada.
“NOSSA, GAROTO! SE EU TIVER QUE TE CHAMAR MAIS UMA VEZ...”
Levantei da cama, confuso e segui até a cozinha para jantar com minha tia e minha prima. Acho esse negócio de pressentimento uma furada, mas algo me dizia que a reação de Lana tinha sido esquisita demais. Ok, não foi um bom momento para me declarar. Eu podia ter feito algo fofo, mas ela não é bem dessas românticas incuráveis.
- Terminaram? Vou lavar a louça. – Eleanor levantou da mesa, pegando seu prato e o colocando na pia.
- Tia, deixa que eu lavo. – Eu olhei para o meu prato, reflexivo. Não tinha conseguido comer muito.
As duas mulheres me olharam, embasbacadas.
- Lexi, o que esse garoto tem?
- Sei não, mãe.
- Só quero pôr as ideias em ordem. Lavar a louça ajuda.
As duas saíram da cozinha, mas antes pude ver uma troca preocupada de olhares. Comecei o processo de lavagem bem lentamente, tentando memorizar o que disse de tão errado para ela simplesmente se desconectar da videochamada daquela forma.
“Ela já me disse que tem uma certa dificuldade em lidar com sentimentos, mas que comigo tudo era fácil e simples. Será que ela não sente nada por mim? Nem sou tão feio, cara...”
Ao terminar a louça, o pressentimento ruim ficou ainda mais forte. Voltei para o meu quarto, peguei o celular e chamei Lana no aplicativo de mensagens.
“Ei, tá dormindo?”
21h30.
Mensagem enviada. Mensagem recebida.
22h30.
“Lana, aparece ai, vai! Vamos jogar Fifa online?”
Sem respostas. Respirei fundo, deixei o celular no lado do travesseiro e não consegui dormir. Tive vontade de ligar para ela, mas soaria extremamente desesperado. Pensei em lotar as redes sociais dela de mensagens, mas era absurdo. Quando consegui pegar no sono, faltavam 2 horas para o começo da minha primeira aula.
Com muito esforço consegui ir para a escola, mas confesso que a minha presença era apenas física. Ainda estava preso ao momento em que Lana se desconectou da nossa conversa.
Voltei para a casa, exausto e me joguei no sofá para tentar dormir. Minha tia e minha prima não estavam. Lexi fazia o último ano da escola a noite e cursava Inglês de manhã. Eleanor trabalhava em período integral na recepção de uma clínica estética em Botafogo.
Quando consegui dormir recebi uma notificação no celular que me fez acordar, sobressaltado. Era Lana me dando adeus pelo Facebook.
“Ander,
Eu nem sei como começar a te dizer isso. Pensei em te ligar, em videochamada, mas ouvir sua voz ou ver o seu rosto acabaria comigo, então resolvi escrever. É o modo mais fácil de terminar isso. Não consegui ter uma reação normal a sua declaração, por isso me desconectei daquela forma. Eu tenho problema em lidar com sentimento, mas com você tudo era fácil, era gostoso e extremamente intenso... Você sabe disso. Era você de manhã, de tarde e também a noite. Você preencheu um vazio que nunca imaginei que alguém fosse capaz de preencher e o que eu sinto por você nunca sentirei por outra pessoa. Mas sejamos sinceros um com o outro... Qual é o futuro disso tudo? Moramos em estados diferentes, temos apenas 16 anos, somos duas crianças. O que sabemos sobre o amor? Você não me pediu nada, eu sei, mas hoje pude notar o quão ligados somos um ao outro e isso me assustou. Não posso te manter na minha vida depois disso tudo. Te conheço o suficiente para saber que você, persuasivo como é, acabaria me convencendo de algo que futuramente nos arrependeríamos. Eu e você temos tanto pela frente, não há porque estragarmos isso. Quero estudar, quero trabalhar, ser uma mulher melhor do que a minha mãe e nunca na vida precisar depender da pensão de um marido falecido. Já te contei a história deles, você lembra? Me causa pânico imaginar ter o mesmo caminho da minha mãe. Acho que você é para a vida toda, Ander. Não sei como foi que ficamos tão um do outro, mas está me doendo demais ter que te tirar da minha vida. Acredite, é o melhor para nós dois. Você vai me odiar e eu compreendo, pois também estou me odiando. Não tem futuro para nós dois agora. Não me procure, Ander. Eu não vou voltar atrás.”
Li e reli aquela mensagem ao menos umas 15 vezes. Na última, a ficha realmente caiu e doeu muito. Ela bloqueou meu número de absolutamente tudo, além de me excluir de todas as redes sociais. Lana realmente trabalhou e rápido para que eu nunca mais existisse na sua vida. Fiquei ali sentado em estado de choque por tanto tempo que não notei que Lexi chegara em casa. Contei para ela sobre o ocorrido.
- Eu sinto muito por você, Ander... Mas talvez tenha sido melhor assim. Ela não está errada em tudo, mas ter te bloqueado assim, sem ter uma chance de você responder é muito duro.
- Achei que dor alguma chegaria perto do dia em que minha mãe me deixou aqui com vocês, mas estava errado. O que a Lana fez tá doendo do mesmo jeito.
Foram semanas difíceis sem ela. Era como se eu vivesse em estado beta, nada mais tinha tanta graça, poucas coisas faziam sentido. O meu rendimento em tudo caiu terrivelmente. Precisei de uma conversa com a minha tia para enfim, colocar para fora o que me doía.
- Bom dia! – Ela entrou no meu quarto em um domingo de manhã e me trouxe um copo de achocolatado.
- Bom dia, tia.
- Ander, eu recebi a ligação da direção da escola na sexta-feira. Estão preocupados com você, principalmente seu professor de educação física. – Ela deu um meio sorriso. – Disse que você não tem participado das aulas e sequer respondido as provocações dele sobre o Flamengo.
- Está tudo bem, tia. – Dei de ombros, tentando fugir da conversa que viria a seguir.
- Não está. Eu soube da garota de São Paulo, filho.
- É. Ela me tirou da vida dela e não sei ao certo o motivo de não conseguir seguir em frente. Eu acordo pensando nela, passo o dia pensando nela e durmo pensando nela, tia. É um inferno.
- Você gosta mesmo dela?
- Eu disse que a amo, pois é o que sinto. É errado eu sentir algo assim?
- Não, filho. Não é errado.
- Eu não sei o que fazer tia, mas não aguento mais me sentir como se nada fizesse sentido.
- Você precisa sentir a dor, Ander. E de verdade. Ela se foi e não vai voltar. O primeiro passo para superar a dor é aceitar o fim. Você precisa aceitar isso.
Abracei minha tia de modo tão repentino que a assustou, mas ela me acolheu em seus braços e chorei como há anos não chorava.
E naquele mesmo dia encerrei o capítulo Lana Hassenback na minha vida.