Frenesi


Ele corria desesperadamente e sem rumo, as lágrimas desciam pelo seu rosto, tornando ainda mais difícil enxergar, mas não tinha importância. Nada daquilo realmente importava. Cruzou a rua no momento exato em que um clarão e um barulho de moto freando com força quase o atropelou. Renan caiu no chão, assustado.

- PELO O AMOR DE DEUS, VOCÊ ESTÁ BEM? – A voz feminina era de total preocupação, mas ele não conseguia ver de onde vinha, até ouvir o seu nome sendo chamado. – Renan? – Ele se levantou, lentamente e viu a sombra da mulher tomar forma. Era Missaire. – ME RESPONDE!

- E do que te importa como eu me sinto? Você me odeia! Eu me ODEIO! – E levantou, trôpego. Missaire o segurou pelo cotovelo, sendo encarada com muito desprezo. – De todas as pessoas do mundo você é a última que eu gostaria de encontrar. Você me lembra do quão podre eu sou por dentro e de como sou capaz de magoar as pessoas ao meu redor. Deve ser por isso que minha namorada ama meu melhor amigo e a minha prima também.

“Ele já sabe.” – Pensou Missaire, tensa. “E por que o sofrimento dele me dói?”

Movida por algo que não sentia há anos, ela o abraçou no meio da rua, ignorando as buzinas dos veículos querendo passar.

Pouco tempo depois, estavam na casa dela.

“Olha o que você está fazendo consigo mesma, Missaire”. – Uma voz cheia de julgamentos a cutucava insistentemente. “Você está diante do seu passado, o ouvindo dizer sobre duas outras pessoas sem perceber o quanto ele te magoou.” Ela queria ser forte. Queria, sim, expulsar Renan, mas foi traída por seus próprios sentimentos e não conseguia ter controle de seu próprio corpo ou emoções.

- (...) E o pior é que tudo isso é a minha culpa. Tudo estava ali, diante dos meus olhos e eu ignorei porque não fazia sentido.

- Ou por você sempre subestimar o Leo? – A pergunta não teve afronta, só uma mera curiosidade recheada de verdade. Ele assentiu. – Você sabe que isso que você está sentindo é raiva de si mesmo, não é?

- Sei.

- E como pretende resolver?

- Eu não consigo ter coragem de olhar para nenhum deles agora, principalmente para o Leo.

- E para a Marine? – Renan a olhou, confuso.

- Como você sabe o nome dela?

- Longa história. Me responde.

- Eu tenho muito o que me desculpar com ela também. A coisa saiu do controle. Sei que fui babaca demais.

- Sim, você foi, mas acho que as coisas podem se ajeitar com o tempo. Não se force a nada agora, acho que não é a hora.

- Eu não quero voltar para casa.

Ela o olhou por um longo tempo. “Não, não, não, não e não!”

- Você pode dormir aqui hoje. – Disse, como se não fosse algo que lhe tiraria o sono. Renan sorriu de canto. Missaire automaticamente se lembrou do namoro na adolescência e se levantou do sofá. Ele a acompanhou com os olhos.

- Ei.

- O que?

- Por que está sendo tão legal comigo?

- Eu ainda tenho sentimentos por você, provavelmente estou sendo guiada pela emoção. Sei que me arrependerei disso depois.

- Continua sincera e sem papas na língua. – Missaire deu de ombros e sorriu.

- Vou buscar uma coberta e travesseiro.

- Ok.

Renan ajeitou-se confortavelmente no sofá e respirou fundo. Em menos de 2 horas toda a sua vida tinha virado de cabeça para baixo e agora ele estava na casa da primeira namorada de adolescência. Acostumado a ser sempre a pessoa que não pedia desculpas, agora lidaria com uma nova realidade. Teria que se desculpar.

- Aqui. – Ela entregou uma coberta preta e uma coberta. – Bom, tem uma escova no banheiro. Fica à vontade, beleza?

- Obrigado, Missaire.

- De nada. – Eles se olharam por algum tempo. Renan notou a urgência no olhar dela, mas não fez comentários. – Hã... Eu vou dormir.

- Tudo bem.

- É... – Ela seguiu rumo ao seu quarto, tentando controlar as batidas do coração e a respiração descompassada.

“Não. Você não é assim. Você não precisa dele. Ele precisa de ajuda, mas ainda é o mesmo.”

Fechou a porta do quarto, trêmula e deitou na cama, aos prantos.

- Como que eu ainda posso amar esse filho da puta? Como é que eu ainda posso olhar para ele e não ter vontade de arrancar todos os seus dentes?

A primeira memória veio. Não tinha como não vir. Era necessário. Depois de anos bloqueando, permitiu-se deixa-las virem. E elas vieram como uma correnteza, fazendo-a submergir em suas próprias emoções.

"- Você é um idiota, sabia? – A pele negra dela fazia um contraste com a pele branca dele. Os dois rolaram pela grama do parque, havia um amor juvenil ali. – Um grande idiota. – O rapaz loiro sorriu, convencido.

A menina beijou a bochecha dele. Tinha tanto amor ali.

- Eu acho que vou vencer o desafio.

- Não vai não.

- Vou sim e sabe porquê? – Ela arqueou a sobrancelha. – Eu reconheço esse olhar de apaixonada.

- Cala a boca! – Missaire sorriu. – Eu não vou me apaixonar por você.

Semanas depois, Missaire acordou um dia e teve certeza que estava apaixonada por Renan. Chorou o dia inteiro, inconsolável.

Tinha se apaixonado por um tipo de pessoa que jurara destruir."


No início do namoro Renan era para Missaire tudo o que ela precisava. Bom amigo, fora seu primeiro homem na cama, cúmplice e ia com ela a todos os lugares - como ele mesmo dizia - “moderninhos, culturais e chatos” que ela amava. Parecia um conto de fadas, até o dia que Missaire notou as mudanças nele. Mudanças essas que foram afetando o relacionamento até um abismo crescer entre os jovens. Tiveram diversas brigas e discussões. O fim veio no dia que Renan assumiu - com total indiferença aos sentimentos da namorada - que se apaixonara por Cristina. Ninguém sabia quem ela era até o dia que Missaire e Leo viram os dois juntos.

Missaire sentou na cama. A dor virou raiva, um sentimento há anos guardado. Não ia se conter.

- VOCÊ É UM LIXO! - Ela surgiu na sala, assustando Renan, que pulou no sofá. – VOCÊ ME DEIXOU PARA FICAR COM AQUELA VAGABUNDA PSICOPATA! EU TE AMAVA, RENAN! EU TIVE UMA CRISE DE CHORO QUANDO ME DESCOBRI APAIXONADA E VOCÊ ME DEIXOU COMO SE EU FOSSE UMA BONECA DE PANO, UM BRINQUEDO QUE QUANDO A GENTE SE CANSA JOGA PARA OS CANTOS! AGORA VOCÊ ESTÁ AI SOFRENDO E UMA DOR TOTALMENTE INFUNDADA! EU ODEIO VOCÊ! DEVIA TE COLOCAR PARA FORA DA MINHA CASA E RIR DA SUA DESGRAÇA DA MESMA FORMA QUE VOCÊ RIU DA MINHA!

Missaire desabou no chão. O peito queimava devido a eletricidade de suas palavras, mas enfim, tinha falado. Não era tudo, mas era o começo. Renan se pôs ao lado dela, mas a sua intenção era acolhe-la em seus braços. Talvez o motivo dos dois terem se encontrado depois de tanto tempo é para que ele pudesse compreender o quanto fora irresponsável com as pessoas que o amavam. Desde Missaire à Marine. Ele passou por cima de todas elas por puro prazer.

- Eu espero que um dia você possa me perdoar. – Ela agora chorava baixinho. – Sei que fui extremamente cruel contigo e não há como corrigir o passado, mas sei que posso fazer diferente daqui pra frente. – Missaire deitou a cabeça no ombro dele. – Se você quiser eu vou embora, Missaire. Não quero vê-la assim.

- Não... – Eles se reconheceram. Ainda era possível ver nele o mesmo garoto que se apaixonara há tantos anos. O único que realmente amou. Sua mão pousou no rosto dele, suavemente. O que sentia por Renan a desestabilizava emocionalmente. – Fica.

Lentamente os corpos começaram a se atrair numa conexão pulsante. Primeiro veio o toque, trazendo à tona as lembranças, depois veio o beijo. Missaire teve um frenesi.

Tinham se reconectado, revivido. Novamente estavam sentindo.

 

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 27/07/2019
Reeditado em 09/06/2022
Código do texto: T6705559
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