Os olhos de Luiza Cap.1

Vamos navegar!

Sentado a beira da calçada cabisbaixo brincando com pequenos galhos nas mãos podia-se observar uma criança no final de todas as tardes, era um menino de corpo franzino, cabelos encaracolados, os traços de seu rosto delicadamente delineados e seus olhos como duas jabuticabas, estalados, que ficavam atentos a qualquer barulho ou movimento adverso do cotidiano rotineiro.

Também todas as tardes ouvia-se uma voz o chamando:

- Otávio, meu filho, o jantar está na mesa.

-Já estou indo mamãe.

Respondia ele, sempre com um sorriso no rosto.

Quem o chamara, era sua mãe Lúcia, que todos os dias preparava o jantar para seu filho e seu marido com muito carinho.

Lúcia, mulher forte, guerreira, trabalhadora, mãe. Seus traços imprimiam nela a força e a coragem de quem já passou por várias lutas mas não deixou se abater em nenhuma delas.

Nascida no seio de uma família muito pobre, ela passou por vários apuros e por isso soube dar valor nas pequenas coisas ao longo do tempo, e é justamente esse ensinamento que passou a seu filho Otávio, o saber valorizar as pessoas e as coisas.

Logo que o menino adentrou a casa sua mãe lhe disse:

-Vai lavar as mãos, e pega o prato de salada pra mãe que está em cima da pia e põe na mesa.

-Sim senhora. Respondeu o menino com voz doce.

Otávio sentou na mesa serelepe, e começou a tagarelar para mãe:

-Mamãe a senhora viu o vizinho do 204, ele chamou a vizinha do 203 e reclamou que o cachorro dela, havia espalhado o saco de lixo que estava na calçada dele.

-Otávio quantas vezes mamãe já lhe disse que não se deve reparar na vida dos outros.

-Mas mamãe, eu estava tão pertinho, não deu para deixar de notar a discussão deles.

-Pois bem, então quando for assim você se afasta se não pode ajudar. Respondeu Lúcia

num tom alterado. Ela era sistemática e muito discreta, usava roupas neutras e sem decotes, e com esses trajes aparentava ter mais idade do que realmente tinha.

Foi criada no meio de dez irmãos, num sistema rígido e Lúcia era uma das caçulas, bastava um olhar do pai para todos os filhos baixarem as cabeças em sinal de respeito.

Suas pernas viviam marcadas com varinhas de marmelo, por conta de suas peripécias. O pai era rígido, porém amoroso e justo.

Lembra ela também que todos os filhos tinham que esperar o pai voltar do trabalho, exceto os maiores que já iam com ele, para pedirem sua bênção e ouvir o pai tocar violão para então irem dormir.

A mãe de D. Lúcia era uma santa, ensinou os filhos a rezarem o Pai Nosso, ensinou eles a serem unidos como irmãos e que um ajudasse o outro.

Mas quando seus pais faleceram, seus irmãos se dispersaram, dois deles faleceram. D. Lúcia

carregava no peito a dor da perda e a saudade dos tempos de outrora.

Foi quando Otávio nasceu, enxergou na criança uma nova expectativa para sua própria vida, renasceu uma nova esperança, com a formação de sua família.

Com as mãos sobre a pia Lúcia pensava nestas coisas quando ouviu um barulho no portão, provavelmente era Juca, seu esposo, não demorou muito quando ela e Otávio ouviram lá de fora:

-Meu marinheiro está?

Otávio respondeu alegremente:

-Sim capitao, vamos navegar!

Seu Juca costumava brincar com o filho logo que chegava do trabalho, e este por assim dizer era o código secreto dos dois, por isso toda vez que seu pai chegava e exclamava tais palavras, era certeza de que ele havia chegado.