O Relento
O Relento
Por alguns dias, antes de dormir, Suzana Morgano ainda podia lembrar do que acontecera naquele dia, que tinha tudo para ser inesquecível e foi, mas não como se esperava; se perguntava como a sensibilidade ou a falta dela age de forma peculiar em cada indivíduo.
Ela foi a um show com uma amiga , Sara Ceviche e na saída iriam dormir na casa de outra amiga, combinaram com antecedência, visto que não tinham como voltar para as suas casas após o show, pois moravam em outra cidade. Mas para a surpresa delas, a moça que combinou tudo bem antes, sumiu por um instante e depois voltou dizendo que iria dar uma volta com o seu namorado. Ficaram um pouco apreensivas no momento, mas logo em seguida Suzana encontrou uma outra amiga e de infância no qual confiava, essa moça as chamou para irem à casa dela após o show, para descansarem. Ao chegarem em frente ao prédio que a amiga morava, entraram. Mas só até ali, a moça despediu-se e entrou no elevador, eram às duas horas e meia da manhã; Suzana e sua colega ficaram em baixo no rol de entrada do prédio, ao relento, sentadas em um banco de cor marrom, formato antigo, de madeira, duro, com espaços entre as madeiras. Ficaram a noite toda naquela situação, sentadas, esperando o passar das horas, por muito tempo; ouviram barulhos comuns da madrugada, que surgem do nada, como assovios, batidas de asas, passos. Sentadas em um banco largo, duro, não acreditavam que ali estavam, sem uma cama, um cobertor quentinho, um lugar fechado para um sono tranquilo. E a noite foi longa, tinha um porteiro que as observava de longe, acreditava-se que ele também se perguntara o porquê que aquela moça as deixou ali. Ela com certeza tomou o seu banho e colocou uma roupa confortável ( de urso) para dormir. Ainda bem que isso não ocorreu em lugares como nos filmes, que sempre aparece na madrugada um "serial killer".
Outro som estranho soava na madrugada, elas escutavam e com olhos arregalados esperavam que aquilo não as atingisse, que passasse rapidamente como algo imaginário.
Ao lado de onde estavam aguardando o amanhecer, para retornarem aos seus lares, havia um cemitério antigo, no centro da cidade, o que tornava a madrugada ainda mais assustadora, sombria e tenebrosa.
Por volta das 5:30 da manhã escutaram um barulho familiar, era o som vindo da rua ao lado, para a felicidade das duas era a primeira condução do dia, um ônibus surgiu , de cor amarela (mas ainda estava escuro), já poderiam ir embora, estavam exaustas, a alegria tomou conta do rosto delas, se naquele momento houvesse um espelho, veriam semblantes cansados, com suas pálpebras murchas e olheiras. Seus pés estavam sujos e doendo.
A espera em voltar para casa foi longa, desde duas e meia da manhã, sentadas no banco da entrada do prédio. Ainda estava um pouco escuro, quando foram até o ponto de ônibus. Caminharam pela rua do cemitério e um barulho estranho surgiu, tinham a sensação de que algo ou alguém que não se via estava acompanhando-as, nesse momento o medo tomou conta e rapidamente correram. Com a respiração ofegante subiram no ônibus que levava até a rodoviária intermunicipal. Mas a volta para casa era tudo que queriam naquele momento, sede, fome e cansaço estavam em segundo plano. Conseguiram “pegar” o ônibus principal para sua cidade que ficava há alguns quilômetros dali.
Suzana, chegou em casa, sem dizer uma palavra, apenas sentou na cadeira que ficava na cozinha, viu sua mãe fazendo o café e o silencio tomou conta dela, o seu coração estava contido, seus olhos avermelhados e seus lábios rachados, no íntimo de sua alma sentiu alívio. Agora estava segura. A outra colega que passara a noite ao lado dela, nunca mais ouviu-se falar.
Valdenize Oliveira.
Obs. Os nomes dos personagens são fictícios.