Aos 10
1 ano após o suicídio de Letícia, Marine começa a se tratar com uma psicóloga. Camila Benevides, 22 anos e uma moça recém-formada na área, com foco em crianças, vê na pequena Fleming um desafio e aprendizado. A moça aconselha Sérgio a fazer com que Marine passe um final de semana com crianças de sua idade, e numa conversa ao telefone com sua ex-cunhada, Lana Ribeiro, surge o convite para o aniversário de 13 anos de Renan, o filho único da irmã gêmea de sua esposa. Marine não se sente à vontade perto de outras crianças, mas para não entristecer o pai, aceita. Os dois viajam para São Paulo.
Lana, diferente da falecida irmã, é uma mulher alegre, doce e bondosa. É casada há 10 anos com o coronel da polícia militar Diogo Ribeiro. Sérgio fazia aulas com Lana na faculdade federal de Brasília, e ela o apresentou a Letícia. De amigos, passaram a ser cunhados. Algum tempo depois Lana conheceu Diogo, na época um soldado e começaram a namorar. Alguns anos depois, ela engravidou e veio o primeiro filho, Renan. No fundo o pai de Marine sempre soube que era Lana que nutria de fato um sentimento verdadeiro por ele. Mantiveram-se bons amigos, mesmo toda vez que conversava com Lana via um brilho diferente no olhar dela. Coisa que nunca vira em sua esposa.
A festa acontecia num clube, próximo à casa da família Ribeiro. O que Renan tinha de amigos, Marine tinha de livros e desenhos. E não era pouca coisa. O pai dela não poderia ter escolhido um dia pior para pedir que ela interagisse com outras crianças. Devido ao fato de morarem em estados diferentes, Lana e Sérgio apresentaram os filhos uns aos outros, mesmo que eles tivessem se visto no ano passado, no enterro da mãe dela. Renan com apenas 13 anos já era um garoto alto, começava a desenvolver corpo e jeito. Os cabelos enrolados eram claros e os olhos cor de mel vivo. Meninos na puberdade costumavam ser desengonçados e bobos, mas aquele não era o caso. Renan Sampaio Ribeiro era bonito, seguro e confiante. Observava Marine com um sorriso arrogante, que a fez sentir um arrepio na coluna.
- Espero que se divirta, prima! – Ele sorriu para ela antes de se afastar.
Marine não se divertiria naquela festa. Não com Renan ali.
Mesmo com todo o seu esforço para se manter longe das crianças presentes e de qualquer confusão, ela vira um alvo fácil para Renan e sua turma. Antes de Lana resolver bater os parabéns para o filho, Renan chama o melhor amigo, Leonardo para uma conversa de canto.
- Ei, está vendo aquela esquisita ali perto da cadeira de banho? – Apontou com a cabeça na direção de Marine, a única criança presente lendo um livro na festa. Os dois estavam na piscina, num lado mais reservado. Do outro lado da festa os adultos curtiam churrasco e cerveja.
- Sua prima, não é?
- Sim.
Na área dentro da casa, os parentes de Renan conversavam e riam. Todos inertes demais em suas ocupações para se preocuparem com ele. Sabia que Lana o colocaria de castigo caso fizesse algo com Marine, mas a ideia era irresistível demais.
“Como ela é arrogantezinha. – Pensou o garoto, observando a prima, que concentrada em sua leitura, não sabia o que a esperava. “Se bem que no futuro se ela encorpar talvez melhore a cara de songa monga.”
- Acho que ela não sabe nadar. – Falou, agora olhando para Leo. – Vamos ensina-la a nadar?
- Irmãozinho... O que pretende?
- Você vai... (...)
(...)
O plano foi simples, pois usariam da inocência do alvo. Renan, um exímio nadador, fingiu um afogamento e Leo pediu ajuda a Marine. Mesmo avisando que não sabia nadar ela tentou ajudar o primo estendendo a mão, quando foi empurrada para a piscina por Leo. Renan tranquilamente saiu da piscina e os dois assistiram aos risos a garota começar a se afogar. Desperada, gritava socorro até que foi ouvida por Lana. A tia, tão boa nadadora quanto o filho saltou na piscina para salvar a sobrinha.
Renan e Leonardo levaram uma bronca. Lana prometeu castigo ao filho depois da festa. A mãe de Leo cortou o vídeo game do lazer do garoto. Marine, por sua vez, prometeu a si mesma que nunca mais chegaria perto do primo.
Grande engano.
O destino de Marine e Renan começava a se entrelaçar a partir daquele pequeno “acidente”.
Era madrugada. Os cômodos da casa de Renan eram de puro silêncio. O tio dormia no quarto de hospedes e os pais já haviam se recolhido há horas. Ele passou pela sala quando encontrou Marine vendo TV e parou.
- E aí, prima. – Sentou-se ao lado dela no sofá. Marine se afastou na mesma hora. – Poxa, uma brincadeirinha daquelas e você aí toda arisca.
- Brincadeirinha? – A voz apesar de calma, era indignada. Renan sorriu. – Eu quase morri!
- Nem brinca com isso, seu pai não aguentaria tantas perdas assim.
A insensibilidade do garoto não passou despercebida por Marine. Ele estudou o olhar azul turquesa o fuzilar e adorou. A menina não sabia explicar o quanto o desprezava.
- Você é um imbecil, sabia?
- O que foi, Marine? Dói em você essa linhagem mórbida que tem na sua família? Sua irmã, sua mãe... Inclusive é você a responsável pelo suicídio da sua mãe, não é?
O punho dela fechou no sofá. Marine não era agressiva, nunca tinha levantado a mão para outra pessoa na vida, mas o primo soubera como ativar essas novas emoções. Renan, por outro lado, não poderia estar se divertindo mais.
- Sai daqui!
Ela jogou a almofada nele, com raiva. O primo enfiou os dedos no cabelo dela e a puxou ao seu encontro. Da lateral do cabelo, os dedos foram para a parte de trás. Renan forçou para que Marine o olhasse nos olhos. Eram olhos azuis incríveis, uma herança escocesa da família Fleming. A pele dela era branca como leite, salpicadas de sardas leves. Os lábios cheios e avermelhados. Os cabelos negros eram sedosos e cheiravam a shampoo de morango.
“Ela será muito bonita daqui uns anos. Muito bonita mesmo.” – Pensou, estático, enquanto a observava.
Nem Renan, sempre dono de sua razão, soube explicar o que ocasionou seu desejo em beijar Marine. Muito menos a coragem de realizar esse desejo. A língua de Renan entrou carinhosamente na boca dela. Era uma carícia quase inocente, sabia que ela nunca deveria ter beijado antes, não queria assusta-la. As duas mãos seguraram o rosto delicado, depois uma caiu para a cintura, trazendo o corpo dela para seu colo.
Quando o beijo acabou, Marine olhou para Renan, surpresa. Ela tinha dado o primeiro beijo com a pessoa que mais desprezava no mundo. A surpresa tornou-se raiva e um soco foi desferido no nariz do primo.
- Nunca mais faça isso! – Ela agora estava em pé. O rosto estava vermelho de tanta raiva. – Nunca mais! – E voltou para o quarto de hóspedes.
Renan riu, limpando com a mão o sangue do nariz. Tinha gostado do que acontecera na sala. Gostado até demais. E se tinha algo que fazia parte de sua personalidade era a persistência.
- Infelizmente tenho a leve impressão de que isso não será possível, Marine.