Aos 5
Era 2:30 da manhã. O coração de Letícia Fleming disparou de forma que fez seu peito doer, acordando-a de um terrível pesadelo. “O mesmo pesadelo de sempre. Eu nunca vou me livrar disso.”– Angustiada, sentou-se na cama e cutucou o marido.
- Sérgio.
- O que foi, Lê? – Rapidamente ele também sentou-se, assustado e sonolento. – As meninas estão bem!
- Vai no quarto delas.
- Mas...
- VAI!
Era uma ordem que fez o homem se assustar. De repente o pavor tomou conta dele e o fez correr até o quarto ao lado. Abriu a porta lentamente e desejou nunca ter feito isso.
As duas camas encontravam-se vazias e os lençóis bagunçados. As pernas amoleceram na mesma hora. Não era costume de nenhuma das duas acordarem na madrugada para perambular pela casa, pois tanto Mariana como Marine tinham medo de escuro. O desespero de Sérgio Fleming não o fez perceber que havia algo estranho no quarto. A janela estava aberta. Eles nunca deixavam a janela do quarto aberta.
“Sérgio?” – Ouviu Letícia chama-lo, com urgência. A voz da mulher parecia já saber do pior.
- Meninas? – Saiu pela casa chamando-as, sem coragem de responder a mãe das meninas. “Talvez elas tenham resolvido brincar.” – Nina? Mari?
Nenhuma resposta. Nenhuma risada infantil e doce vinda de qualquer canto da casa. Elas não estavam lá.
Letícia correu até Sérgio, que agora se encontrava no meio da sala, congelado. Ela caiu de joelhos com a mão no rosto, aos prantos. Um grito saiu do fundo de sua garganta. Era triste, doloroso e profundo. Era o grito mais terrível que Sérgio já ouvira dela desde que a viu ter uma crise de nervos, há alguns anos.
Mariana e Marine Fleming com apenas 5 anos de idade tinham sido sequestradas dentro da própria casa.
(...)
Foram 3 dias de busca pelas meninas. Letícia não saiu da cama um dia sequer. Não tinha força alguma para isso. Sérgio precisou ser forte para poder ajudar os policiais que começavam a perder as esperanças. Não era costume sequestradores num bairro tão pacífico como esse na cidade brasiliense em que moravam desde que se casaram.
Depois da visita dos policiais, Sérgio continuou na sala segurando um quadro de foto das meninas em seu terceiro ano de vida. No retrato as duas estavam de mãos dadas, demonstrando toda a conexão incompreensível que só irmãos gêmeos são capazes de ter. Ele colocou a foto junto ao peito, apertando-a como fazia com elas. Não podia aceitar que perderia suas duas filhas. “As minhas ursinhas” - Não podia acreditar que o Deus vivo todo poderoso arrancaria deles as meninas assim de forma tão cruel. “Não, não, não.” – Balançava a cabeça, dizendo a si mesmo que aquilo não iria acontecer. Elas voltariam e trariam luz para a vida de Letícia, fariam Sérgio sorrir novamente. Passou a mão no rosto, limpando as lágrimas que começavam a cair. Tinha envelhecido dez anos em apenas 3 dias.
A campainha tocou, assustando o homem. Sérgio levantou com medo de que fossem os polícias com alguma notícia. Fora avisado para esperar qualquer tipo de coisa, mas não estava preparado. Quem estaria?
- Sérgio? – Letícia também ouvira a campainha. A voz da mulher não tinha vida alguma, parecia um fantasma, uma imagem vazia do que já fora um dia. Ela parou no meio da sala.
- Eu vou atender a porta. – Ele respondeu, trêmulo.
Passou pela sala, seguiu até a porta. Respirou fundo e olhou pelo olho mágico. Não tinha ninguém.
Abriu a porta e viu Marine parada. Ela vestia o mesmo pijama do dia que fora sequestrada. Estava suja, os cabelos foram cortados e o narizinho sangrava.
- Oi papai! Que saudades...
E desmaiou nos pés de Sérgio, sendo socorrida logo em seguida.
Letícia observou a cena sem entender porque não teve reação alguma ao ver Marine viva. Se conseguisse definir o que sentia, talvez fosse decepção. Voltou ao quarto silenciosamente como se não fizesse parte daquilo ou não quisesse fazer. Algo havia se fechado dentro de si quando viu uma de suas gêmeas na porta. Era inexplicável o peso daquilo que tinha dentro do peito. Não que nunca tivesse amado Marine, mas só não sentia mais nada por ela. “Marine está viva.” – Pensou, ao se sentar na cama. A dor não tinha cessado nem pela metade. “Cadê a Mariana?”.
No dia seguinte, pela manhã, o casal recebe dos polícias a notícia de que encontraram o corpo ensaguentado de Mariana Fleming num matagal na cidade vizinha. Sérgio, desolado, vê Letícia ter um ataque de nervos e partir para cima de um dos policiais. Ele compreendera a dor daquela mãe, pois também tinha filhos pequenos. Nenhum pai ou mãe deveria enterrar um filho.
A perda fatal e cruel demais para se digerir a faz mergulhar numa profunda depressão, isolando-se de Marine e Sérgio. Sua única companhia era a própria dor.
É a partir daquele dia que se rompe o mais profundo laço entre a mãe e a única filha sobrevivente do sequestro das gêmeas Fleming.