A conversa mais dolorosa
Alguns dias depois.
- Jorge, eu não.. – Tentei afastar uma mão insistente que me segurava pelo antebraço. – Eu não posso, Jorge!
- Pode sim. Confia em mim, o Leo precisa falar com você.
Paramos em frente a porta fechada do quarto em que Leonardo estava repousando. Jorge me olhou em silêncio.
- O que eu posso falar para ele?
- Absolutamente tudo. Vocês devem essa conversa um ao outro.
Jorge deu duas batidinhas na porta e saiu logo em seguida.
- Estou te esperando lá fora.
Abri a porta lentamente e vi Leonardo sentado na cama com a cabeça baixa, parecia estar chorando. Ele não me olhou, mas sabia que era eu quem estava ali. Encostei a porta até fecha-la.
- Leo...
Então ele levantou a cabeça. Seu rosto envelhecera 5 anos ou mais diante de toda a tragédia que passava. Eu quis abraça-lo, beija-lo, dizer o quanto eu o amava e faria qualquer coisa para vê-lo bem, mas na verdade só fiquei ali sustentando o opaco de seus olhos castanhos e lembrando que um dia existira muita vida no olhar daquele rapaz de 25 anos que me cantou na praia. Um flamenguista, debochado e doce. Dono de um coração imenso. O meu eterno e único amor.
- Eu não vou conseguir. – Ele falou, com a voz muito baixa. – Eu não vou conseguir. Não sem ela.
Dei dois passos em sua direção, mas ainda me mantive relativamente longe. Temi que se caso me aproximasse, acabasse em seus braços.
- Eu não vou conseguir, Isabela. Eu não vou conseguir ser um pai.
Me posicionei ao lado dele enfim, na verdade, eu precisava toca-lo e precisava que ele me tocasse. Segurei sua mão e entrelacei nossos dedos. Olhei para o seu rosto, a barba por fazer, os olhos sem vida alguma.
- Você vai conseguir sim. – A força na minha voz fez meu próprio coração disparar. – Vai porque é o que a Karen esperaria de você. Vai, porque esse bebê precisa do seu amor e da sua força. - Toquei o rosto dele, que fechou os olhos diante do meu toque e voltou a chorar. – Você vai ama-la como jamais amou qualquer ser vivo nesse mundo, Leo. Eu não tenho dúvidas do quão maravilhoso você será como pai.
- E se eu falhar?
- Você vai aprender. Seus pais vão te ajudar. Você tem seus amigos. A Bárbara não estará sozinha. – Fitei seus olhos. – E nem você. Nunca.
Não resisti a abraça-lo. Sentir o cheiro dele, mesmo que misturado ao cheiro do hospital e remédios, fez todo o meu corpo estremecer e meu coração disparar ainda mais rápido. Eu o amava tanto, que se fosse possível traria Karen a vida só para deixa-lo feliz. Não havia nada que eu não fizesse para trazer um sorriso ao rosto de Leonardo.
Ele me apertou em seus braços e passou a mão pelo meu cabelo. Eu percebi que não havia nenhum tipo de maldade ou estranheza naquilo tudo.
- Eu a vi, Leo. No momento em que ela foi baleada. – Não existiu reação alguma com as minhas palavras. – Estava do outro lado da rua, fazendo as compras. Foram tiros de bala perdida, não teve nada que ela pôde fazer. Eu tentei, juro que tentei Leo. Pedi que ela resistisse, mas...
- Eu sei.
E foi a minha vez de chorar. Leo me envolveu em seus braços e me consolou, mesmo que na verdade era ele quem precisasse ser consolado. Consolado de uma dor que nunca vai passar.
- Pela primeira vez eu estou vendo isso no seu olhar, Isabela. Estou vendo que você queria ter feito diferente. – Ele segurou meu rosto e me deu um beijo na testa. – Muito obrigado.
- Todo tempo ela só pedia para salvar a bebê.
- Eu não esperaria menos dela.
Dei um passo para trás, me afastando dele. Leo ficou me olhando, desolado, depois escondeu a mão no rosto.
Dizem que o amor é a maior coisa que existe. Em teoria, talvez seja. Eu queria que isso valesse para a minha história com Leonardo. Queria que o meu amor por Leonardo fosse capaz de tira-lo dessa situação. Mas a grande verdade é que isso jamais aconteceria. O nosso amor estava eternizado para sempre dentro de nós. Nos amávamos, nos pertencíamos, mas não poderíamos ficar juntos. E quando constatei isso não houve nenhum sentimento de posse. Eu o amo, ele me ama. Eu estraguei tudo e a Karen entrou na vida dele para salva-lo. Agora sem Karen, ele teria que viver para tornar a vida da filha muito boa e feliz. Nada disso me inclui. Nada disso nos incluía.
Não tinha porque eu estragar tudo aquilo sendo egoísta, tentando reconquista-lo porque amadureci e sei que o perdi. Parece banalidade falar de altruísmo quando envolve algo tão grande como o amor. Soa, ao meu ver, até injusto envolver altruísmo. Ora! Pessoas que se amam não deveriam por direito terminarem juntas?
A grande resposta é: não, nem sempre.
Só o amor não basta. E essa é uma verdade brutal que até você aceitar e acreditar, é preciso muita, mas muita maturidade.
- Um belo dia eu verei você e sua filha juntos na orla, passeando. Vou me lembrar dessa conversa e ver como seu medo fora uma bobagem, porque era muito óbvio que você se tornaria um grande pai. Só não desiste, Leo.
- Obrigado por ter vindo.
Ele segurou a minha mão por um longo tempo. Sua pele fria, se misturando a quentura da minha. Queria tanto que ele soubesse como eu o amava. Queria de forma quase esmagadora que nossas vidas não tivessem se desviado por imaturidade minha.
Quis, quis muito. Juro.
- Não precisa agradecer. Se cuida, por favor. Eu acredito em você.
Queria que o meu erro não tivesse sido o grande algoz de toda a nossa história.
- Eu vejo você novamente? – Ele perguntou, ainda com a mão segurando a minha.
Não nunca mais ele me veria.
- Quem sabe um dia...
- Bela...
Soltei a minha mão da dele antes que minhas lágrimas demonstrassem toda a minha vontade de me jogar em seus braços. Não, nunca mais nos veríamos Leonardo. Nunca mais.
Corri pelos corredores do hospital aos prantos, cega pelas minhas próprias lágrimas. Só parei quando me vi nos braços de Jorge, que me segurou forte e me consolou.
- Tudo vai ficar bem, Isabela. – Ele disse calmamente. A voz condizia com todo o seu ser. – História como a de vocês dois nunca acaba, às vezes, só precisa de um tempo. Talvez um longo tempo.
Tempo. Sempre o maldito sempre.