FLOCO, O CÃOZINHO FUJÃO

FLOCO, O CÃOZINHO FUJÃO

Floco é um cãozinho. Assemelha-se a outros em raça e tamanho: é marronzinho, tem pêlo fofinho e é muito esperto.

O divertimento favorito de Floco é correr atrás de seu dono, ou de uma bola de meia.

Quando passa um carro, ele late e vai atrás.

Floco tem uma vida calma: come, bebe, brinca e dorme, é um boa-vida. Acorda Paulinho pela manhã, lambe seu rosto, como a lhe desejar um bom dia.

Quando seu amiguinho vai para a escola, inventa suas próprias brincadeiras. Parece mesmo ser um cachorrinho muito feliz.

Um dia, porém, Floco acordou desalentado e pensou com seus botões caninos: “como é sem graça a vida de cachorro!”.

Pelo estranho comportamento do bichinho, todos acharam que o cão realmente estivesse doente. Não tocou na ração, nem carne ele quis. Quieto num canto, olhava para seu dono e este não sabia mais o que fazer por seu querido amigo.

Um veterinário foi consultado: “há nada de errado clinicamente com o animal”, afirmou o doutor dos bichos.

Paulinho, um pouco mais aliviado, resolveu dar uma volta com Floco, numa tentativa de reanimá-lo. Floco, porém, pensava com seus botões: “preciso ir à luta, mudar de vida.”

FLOCO VAI AO CIRCO

Chegou um circo na cidade. Toda a criançada de Novo Oriente saiu para as ruas. Era uma verdadeira folia:

- Hoje tem marmelada, tem sim, senhor!

À frente seguia a trapezista fazendo acrobacias, a contorcionista exibia seu corpo de elástico; uma cadelinha faceira virava cambalhota. O som ecoava e se

ouvia de longe:

- O palhaço o que é?

- É ladrão de mulher, todos respondiam.

Paulinho e seu cão acompanhavam a molecada. Floco animou-se um pouco. Latia alto e dava pulinhos.

Nesse momento, Floco pensou; “que vida boa deve ser a de circo, todo mundo aplaude, como eu gostaria de ser um cachorrinho de circo”

A partir desse pensamento, o cão ficou mais pensativo que antes e começou a imaginar um modo de fugir com o circo.

Houve cinco espetáculos na cidade. Na segunda-feira, os empregados começaram a arriar a lona, retirar os suportes, os cones, as esteiras, os tapetes, só ficaram serragens no chão.

Floco, num ato de esperteza, escondeu-se atrás da roda de um caminhão enfeitado e colorido. O vento levantou a borda da lona que revestia a mudança, instante em que o cão resolveu subir. Pela rampa que ainda estava encostada ao veículo, Floco subiu e se escondeu dentro de um saco de plumas. A mudança partiu.

Chegando à cidade vizinha, no momento de descarregar, o serviçal encontrou Floco, mas não deu muita importância ao intruso.

O domador de feras e amestrador de animais, ao ver Floco, comentou:

- Parece que esse cachorro quer ser artista de circo, tudo bem, mas vai ter de pagar pela comida, ah... ah... ah...

O cão ouviu assustado as palavras daquele homem.

Naquele mesmo dia, à tardinha, o experiente empregado começou a treinar um

novo número com a cadelinha Laica, com a qual Floco já se deparara no dia do desfile.

O cãozinho lembrou que era ela quem dançava sobre rodas e dava saltos mortais, agora iria também atravessar um arco em chamas!

Quando Floco viu um chicote nas mãos daquele homem, temeu pela cadelinha e por si mesmo.

Vendo que o cão parecia espantado, o intrépido homem aproximou-se dele e ameaçou:

- Pula, cão danado, vamos ver se presta para alguma coisa, além de alegrar a casa da mamãe!

Floco encolheu–se ainda mais num canto, perto do baú das fantasias. Tremia muito, dos pés à cabeça. Quanto mais encolhia, mais o sujeito gritava.

Quando o treinador viu que o cão não obedecia, resolveu iniciar as aulas na manhã seguinte.

Laica, por sua vez, olhava para o cão assustado com muita pena. Ela passara pela experiência dos treinos com maior facilidade, pois nascera no circo e já se habituara àquela vida.

Laica tentou se comunicar com o novo amigo através do olhar, porém, ele nada enxergava, seus olhos estavam turvos de tanto medo.

À noitinha, aconteceu o espetáculo de estréia.

“Casa cheia”, conferiu Floco, através de um rasgo na lona.

O palhaço Pimpolim fazia a molecada rolar de rir e gargalhar...

Laica se apresentou com um laçarote vermelho no pescoço, a multidão delirava com o novo número da pequenina.

Floco já sentia que não valia a pena continuar naquele lugar, não tinha nada a ver com seu sonho de ser feliz...

Quando Laica voltou ofegante, após o número, esbarrou em Floco, pediu-lhe, então, desculpas através de um doce olhar. Nesse instante, ela o interpelou:

- Meu bom amigo, gostei de você nesse pouco tempo que partilhamos este espaço. Aqui não e lugar para um cãozinho feito você. Aplauso é bom, mas custa sacrifício demais. Eu nasci num picadeiro, você não!

Floco não tendo o que dizer, apenas agradeceu balançando a cauda e encostou o

focinho no dela, demonstrando todo o seu carinho.

Naquela mesma noite, resolveu partir.

FLOCO ENCONTRA A TURMA

Realmente, Floco conseguiu fugir. Surpreendeu o vigia distraído e “pernas para que te quero”, deu o fora.

Correu, correu, sem olhar para trás.

Depois de muito perambular, encontrou uma matilha. Eram quatro cães medonhos, dois maiores, de pêlos escuros e dois menores que pareciam ter sido brancos um dia, tão encardidos se achavam...

“Esta é a minha turma e este é o meu lugar, vou viver agora as aventuras que saí para procurar.”

Nesse instante, os animais se aproximaram do visitante, com suas caras de “poucos amigos”. Andaram em volta dele em círculos que pareciam intermináveis.

Floco já não tinha certeza se aqueles seriam mesmo os seus amigos, mas entabulou uma conversa:

- Eu queria fazer parte dessa turma e viver grandes aventuras com vocês!

- Essa é boa, aventuras, você não consegue nos acompanhar, disse o canzarrão-

-líder.

- É um cãozinho de nada – interveio o outro, tem até laço de fita, parece cachorro de madame, ah.. .Ah...Todos rosnaram a um só tempo, como se rissem da ingenuidade de Floco, mas,

mesmo assim, ele insistiu:

- Deixe-me tentar. Eu sou esperto e aprendo logo...

Apesar de nada terem respondido, Floco não desistiu e foi com o bando.

Não demorou muito a descobrir que se tratava de cães sem dono. Vadiavam todo o tempo, sem ter onde comer ou dormir. Reviravam latas de lixo e agrediam pessoas. Eram rebeldes, verdadeiros fora-da-lei.

Floco andava com muita dificuldade e sem rumo, até que, à frente do bando, surgiram dois enormes cães que os agrediram. Brigaram muito e se ameaçaram. Sendo Floco o mais frágil, saiu bastante machucado da confusão. Entendeu que se não entrasse na briga, seria eliminado do grupo como um covarde.

O cãozinho caído no chão olhava os companheiros seguirem estrada, afora sem, ao menos, se voltar.

FLOCO DORME NA MATA

Após algumas horas, Floco conseguiu se aprumar. Arrastando de uma pata, chegou numa clareira. Resolveu dormir ali mesmo.

Quando a noite desceu, sentiu muito medo. Escutou o piar da coruja e uivos de lobos selvagens. Teve receio de ser atacado por uma fera. De repente, porém, renovaram-se as suas esperanças. Estrelinhas brilharam, a lua saiu detrás das nuvens e iluminou a estrada.

Depois de caminhar um bom pedaço, avistou uma pequena casa. Aproximou-se. No fundo dela havia um forno de barro, desses de assar biscoitos. As paredes ainda estavam aquecidas. Entrou nele. Sentiu uma sensação de alívio.

A deliciosa sensação durou pouco. Levou o maior susto quando foi bicado por uma galinha que dormia ali. Saiu de lá correu até que encontrou um balaio, forrado de capim e pano velho, parecia um ninho abandonado. Ali passou a noite.

Pela manhã, ao sair dali, ficou surpreso ao ver um enorme cão deitado ao sol. Aproximou-se apreensivo. O enorme animal levantou a cabeça e se dirigiu ao recém-chegado:

- Chegue mais perto, meu amigo, não tenha medo, eu sou de paz.

Com flagrante dificuldade, o velho cão continuou a falar, no momento em que

Floco se aproximava e olhava fixamente para ele:

- Sabe, eu sou um cão decrépito, Isto é, estou muito velho. Já realizei um prestimoso serviço, ao longo dos anos, para meus donos e senhores; hoje, me dão banho, alisam meus pêlos e me oferecem boa comida e muito descanso. Mas não os sirvo mais.

Floco interrompeu:

- Eu é que para nada sirvo. Sou pequenino e não tenho aptidão para coisa alguma...

- Você se engana, todos nós nascemos com talento, com alguns dons, com o tempo você descobre, é muito novinho..., mas, me diga, você tem um dono, não tem?

- Tinha. Mas não sei se ainda me quer. Fui tão ingrato, fugi em busca de aventuras...

- Mas viver é uma grande aventura – interveio o novo amigo – você não precisava andar tanto!

- Você tem mesmo razão, andei muitas milhas, nem sei como voltar.

- Olha, interveio o enorme cão, siga o caminho que lhe indica o coração. É o

mais seguro. Aprendi muito aqui neste terreiro. Fui fiel e guardei meus donos, também sua propriedade. Hoje não trabalho, mas tenho amor como paga. E você também amadureceu com as experiências pelas quais você passou. Já não é mais o mesmo...

- Tudo que me diz é muito bonito, sinto até desejo de morar aqui com você, o que acha?

- Não, não poderia. Você não é cão de guarda. Quando não me encontrar mais

Aqui, meus amos me substituirão por outro que seja enorme e bravo, como eu.

- Você está certo, adeus meu bom amigo e obrigado pelos conselhos!

- Adeus e obrigado pela visita...

O RETORNO DE FLOCO

Floco seguiu a orientação do amigo. Vagou por dois dias, comeu o que encontrou, tomou banho de rio. Mas, ainda assim, continuou encardido e maltratado e muito solitário. Carrapichos grudaram nos seus pêlos e os carrapatos fizeram coçar sua pele, antes tão alva!

Tomou a estrada e andou até chegar a um posto de gasolina. Lá deparou com um caminhão carregado de verduras. Reconheceu o motorista, que era quem entregava mercadorias no mercadinho do pai de Paulinho.

Floco percebeu que o motorista se distraíra ao examinar os pneus e... zás! pulou para dentro da boléia.

O motorista, ao perceber o cão, tocou seu pêlo, não tão macio como antes, e percebeu o laço de fita desfiado e sujo, pois se desgastara nas andanças. O homem travou a porta com uma das mãos e com a outra abriu o porta luvas do veículo e retirou uma página de jornal. Estava certo, era mesmo o cãozinho do anúncio. Recebera da família de Paulinho aquele recorte. Sabia que o menino adoecera e todos se entristeceram por causa do menino.

O bom homem seguiu viagem, levando o cão.

Chegando ao destino, ou seja, na casa do menino, conforme endereço subscrito, Floco percebeu que chegara e, mal a porta do caminhão se abriu, pulou e correu até a porta de sua antiga morada, latindo sem parar.

Quando a mãe de Paulinho atendeu, Floco entrou na casa feito um foguete, saltando feito louco.

Paulinho dormia, quando, de repente, foi despertado com as lambidas de Floco. A alegria tomou conta de todos.

O caminhoneiro seguiu viagem feliz, por ter-se sentido útil ao praticar aquela boa ação.

Floco, após alguns banhos e uma boa tosa, voltou à vida normal, sem grandes aventuras, mas ciente de viver uma felicidade jamais imaginada na sua vidinha de cão.

fim