Merenda vespertina
Ao voltar da igreja, já bem de noutinha, após a ladaínha, papai costumava trazer um agrado para partilharmos na manhã seguinte. Após cear o pão dos anjos, alma lavada, uma rosca, um pão-de-açúcar, era coisa ansiada - e abençoada.
A condição, contudo, era não anteciparmos aquele prazer, não ir com sede demais ao pote. E não era fácil obedecer o mandamento não escrito. Dali, a necessidade de se esconder a oferenda, antes que ela virasse merenda. Trancar não havia como pois todas as portas nos eram franqueadas e chaves nunca negadas.
Numa vez, muito particularmente, me lembro de vê-lo chegar com uma rosca arredondada, circular feito um anel, igualmente cobiçada pra dedéu. Foi quando ele fez o desafio: vou dar um sumiço nesta, mas se acharem, têm permissão para a antecipação.
E mal dado o tempo para a manobra evasiva, fomos chamados à caça. Éramos
então uns seis ou sete famelicus angelicus, daí, a tarefa não seria das mais árduas. Afinal, copa e cozinha tinham um limite de gavetas e outros possíveis esconsos. Mas qual o quê, depois de longos e aflitivos minutos de baldada procura, entregamos os pontos. E papai, por fim, nos entregou a rosca anular: havia-a acomodado numa inocente forma de bolo de alumínio, do mesmo formato, já bem amassadinha, para a parede viradinha, penduradinha..., compartilhando com copos, conchas, bequinhas e outros penduráveis no escorredor de madeira, em
formato de grade, fixado contra a parede, entre a pia o o guarda-comidas, ambos verdes, diante de nossos compridos - e descomprometidos - olhos...