O fogo, o barraco e o gol.
Acordei e lembrei-me que deveria ir ao centro de São Paulo, precisava comprar alguns equipamentos eletrônicos, o lugar mais indicado era a Santa Efigênia, nome de santo, mas é só o nome. Fui andando até a Estação ferroviária. Nada diferente. Apenas reflexões. Como minha cidade mudou, Osasco já não é mais a da minha infância, nem melhor, nem pior não sou eu que julgo isso. As gerações futuras se encarregarão. Só olho. Esse é o problema da história, todos os efeitos somente poderão ser avaliados muito tempo depois, seja qual mudança que ocorre ou ocorreu, não se pode apontar se é boa ou ruim no presente, apenas a história apontará e, geralmente, isso leva muito tempo.
Continuei andando. Olhei para meu interior...
Era um dia atípico, pois, em geral, em Osasco sempre faz calor. Naquele dia não, uma neblina londrina, típico das histórias de Holmes, ou mesmo do Dr.Jack, um cheiro estranho, misto entre madeira e borracha derretida. Mistérios sem solução, ao menos para os medianos.
Inteligência, observação e análise são características que estão em falta, as pessoas não têm tempo, mas tem dinheiro. Fogo. Os barracos pegavam fogo, os homens corriam, as mulheres faziam o possível. Uma indecisão poderia colocar tudo a perder.
Olhando detidamente esta imagem fica-me a impressão que sempre foi assim, não se deve haver dúvida. A dúvida é inimiga do pensamento ou mesmo seu antagonista, pois a inexistência de uma, implica... não implica nada. Não se deve falar dessas coisas, a igreja disse-nos para confiar. Eu confio. Mas tenho dúvidas. São só minhas, ninguém pode sabê-las.
Acredito no Pastor. Homem trabalhador, no passado fora assaltante de banco e assassino. Em um de seus assaltos acabou assassinando a vítima, pois somente tinha três notas de dez, quando terminou, não estava satisfeito ateou fogo no corpo. Era uma funcionaria pública. Creio que era professora. Dá aulas aos anjos no céu, ou no inferno. Pois, diziam-se muitas coisas sobre ela. Em vida não foi santa. Viveu e teve o que mereceu. Morreu com vinte e sete anos.
Os bombeiros chegaram e o fogo já havia sido controlado fazia algum tempo. Trânsito? Quem sabe. O problema é explicar isso às pessoas. Não é minha tarefa. Recordar os fatos é semelhante a assistir um filme antigo, pois é sempre atual, pelo menos algumas imagens na minha cabeça, não é semelhante à história contada por Bentinho, Capitu realmente teve um caso fora do casamento. Pior, com o melhor amigo do marido. É mais seguro assim, quem desconfiaria? É confiável, pois é conhecido. Sabe-se se tem doença.
O trem estava chegando à Estação ferroviária, quando despertei dessas divagações, olhei para fora e vi tudo esverdeado. Não enxergava muito bem, ou seria a sujeira do vidro? Sinistro. Na ocasião, olhei para o banco ao lado e percebi que estava ocupado por um casal de mulheres. Na verdade não sei dizer se é um casal mesmo, pois isso é função da legislação, ou da igreja. Aprendi que um casal é exatamente isso um casal ligado civilmente ou pela nossa senhora santa igreja. As duas usavam alianças. Não importa que seja do mesmo sexo. Desde que sejam felizes e autorizados. Daí não há o que se falar.
Nem me notaram e desceram, na Estação seguinte desci. Vergonha. Voltei andando. Retornei ao fogo. As pessoas corriam de um lado a outro indecisas e preocupadas. Afinal perderiam tudo, inclusive sua moradia, bem protegida pelo fogo.
Choros e desesperos! Três dias depois o governo tomou alguma providência, com a velocidade que é habitual. Se existe algo que não se pode reclamar é da velocidade que agem, bem devagarinho para não errar na decisão. Afinal ainda sobraria os carvões e ainda poderia utilizá-los para fazer churrasco, pois era ano de copa. Copa do mundo. O carvão, o gol, a carne não podem faltar, mesmo que não se tenha onde morar. O Brasil ganhou. Os brasileiros ganharam, os osasquences ganharam, todos ganharam um gol de presente, mas no outro dia a realidade retorna.