Na morte, vivo.
Não vivo mais. Aconteceu e todos já esperavam. Fim do organismo vivo, mas será mesmo o fim de tudo? Para os católicos não, para os evangélicos também não, todos de uma maneira ou de outra acreditam que com a morte chega o momento de descansar, Lutero não concordaria com isso, afinal a vida é trabalho e o céu é na terra, eis a diferença básica entre as religiões. Algumas creem no céu outras estão no céu. Quem ganha com isso? Não sei. Mas tenho muitas suposições. Acredito mesmo é na filosofia, mesmo que seja usada para explicar o inexplicável, coisa de mito.
Deveras a única certeza é que se morre. No entanto, se morri como penso? Daí a importância da filosofia na vida, ou mesmo na morte. O fato é que a filosofia procura responder essa questão, na verdade procuro me consolar com isso, alguns cientistas dizem que existem universos paralelos, que em outro local existem meus irmãos gêmeos, que vivem e não fazem as mesmas coisas que eu, logo também não são eu, só deve ser algo externo a mim que também não sou eu. Isso é filosofia não é física.
Possivelmente, assim como partículas de nêutrons que possuem a capacidade de fazer transição para um gêmeo invisível e voltar para esse plano, creio que é meu pensamento, somente isso justificaria a minha plena capacidade de discernimento, mas que se registre, vejo tudo, mas não tenho matéria. Uma espécie de fantasma. Daí as histórias de possessão. Vou possuir meu irmão gêmeo em outro plano.
Vejo-os todos. Não sei dizer se há algum aspecto de interesse em relação ao meu corpo carcomido e pútrido. Creio que não. Preocupam-se com outras coisas, como, por exemplo, os bens que possam se apropriar ou mesmo a herança. Acho que o velório tem essa finalidade, é o momento que se reúnem toda a família, inclusive pessoas que não dão o ar da graça a décadas e, de uma hora para outra, fazem-se íntimos.
Do pó vieram;
Ao pó retornarão;
A menos;
Que se descubra;
Outra iniciação.
A física;
Cumpre seu papel;
De se tornar exceção.
Não duvido disso, em algum momento do desenvolvimento humano, as duas pontas serão unidas, a morte será resolvida, mas com isso os problemas só aumentarão. Imagine a impossibilidade da morte. Haveria mundo para todos? A ponta do iceberg, imergindo encontra-se muito mais, só outro evento é tão complexo quanto, a própria mente humana.
Estão todos lá, posso ouvi-los, os vizinhos são os que mais me interessam nessa discussão, pois durante anos nunca me suportaram, e a recíproca também é verdadeira. Agora na hora da morte, ou mesmo no fim, arrependeram-se de seus atos, se não fosse a fé! Fé neles mesmos. Por dentro, no recôndito e no inexplorável do seu intimo, dão minha sentença. Permaneça com seus iguais, dizem. Os que te acompanharão por sua jornada, dentro da caixa final. Nasci em época errada, a física não pôde me ajudar, só a filosofia me consola, pelo menos traz respostas para as angústias. As que invento.
A grande vantagem de se estar morto é poder observar o pensamento alheio a partir do que dizem na singularidade e na solidão. Às vezes não são coisas fáceis de se ouvir, muito menos ver, mas não importa. Por vezes digo impropérios, também não escutam, não respondem. Silenciam-se. Dou risada, faço coisas que em vida jamais poderia. Na morte, vivo e vejo um nebuloso futuro esverdeado.