Telshine - Parte 4

E então tomaram novamente o caminho do parque. A casa de Mary fica ao pé da montanha, exatamente ao norte do Parque Green Oak.

Já era tardinha, o sol começava a se por atrás das montanhas e as ruas de Telshine começava a se iluminar pelos postes de luz.

Enquanto caminhavam, Alex começava a se convencer de sua idéia sobre o que aconteceu na caverna e Albert, para desbancar o amigo, começou a perguntar mais sobre o desmoronamento.

–Karina, foi muito grande? O desmoronamento?

–Na verdade, não, uma rocha se soltou do paredão do pico Creed, foi uns 200 metros da casa da Mary.

–E faz muito tempo que aconteceu?

–Mais ou menos 1 hora e meia. O sheriff e o professor de geologia de vocês estiveram lá 10 minutos depois que a rocha caiu, para avaliarem os riscos, mas o Sr. Somerset disse que era normal e que não havia risco para ninguém, então foram embora.

–Hmmm, 1 hora e meia – Albert olhou para Alex – Viu, foi bem depois daquilo, então esquece – debochou do, amigo acabando com qualquer esperança de sucesso da teoria dele.

–Você adora estar certo, não é sabichão – Riu meio frustrado, Alex.

–Do que vocês estão falando? – quis saber a amiga, não ciente do ocorrido na caverna.

–Depois a gente te conta com mais calma – disse Albert – Agora nós temos uma coisa mais urgente – ele olhou para ela quando chegaram à casa da Mary.

Telshine é uma espécie de cidade planejada onde tudo flui, quase sempre bem. Uma cidade pequena, mas bem sustentada, onde quase todos se conhecem e se dão bem. Às vezes crimes acontecem, mas logo são resolvidos e esquecidos. Tudo graças a um grupo de pessoas importantes e influentes que cuidam para que as coisas continuem bem.

A casa fica no fim da rua, à direita, e, logo atrás, há uns 500 metros, começa a montanha. Eles chegaram e encontraram sua dona no portão de casa, já de saída.

–Oi, Mary – cumprimentou Karina.

–Ah, oi pessoal! Estão aqui por causa do desmoronamento?

Mary Vaneu era uma jovem mulher, de aparência simples, cabelos castanhos não muito compridos, olhos castanhos e corpo delicado, com uma boa índole.

–É isso mesmo – respondeu Albert – Você viu acontecer?

–Não, eu não cheguei a ver – disse Mary – Eu estava no banho e ouvi o barulho, foi muito alto, e levei um susto. Me enrolei na toalha e sai, pra ver o que tinha sido aquilo, e vi apenas a nuvem de poeira que levantou ali – ela apontou para um ponto ao pé da montanha –, então chamei o sheriff e contei o que houve.

–Que estranho! Eu nunca havia ouvido falar de um deslizamento de rochas em Telshine – Albert falou, um pouco surpreso.

–É verdade, mas eles foram verificar e disseram que não era nada, então... – ela deu de ombros e olhou para seu relógio – Me desculpem, pessoal, mas eu tenho que ir, se não meu irmão me mata. Apareçam lá na lanchonete.

–Pode deixar – Karina falou –, nós vamos sim. Até mais e bom trabalho pra você.

–Obrigado. Até mais e boa noite pra vocês – ela despediu-se e se pôs a andar.

–Eu ainda não entendi – Alex soltou, confuso, dirigindo o olhar para a amiga.

–O que? – ela perguntou, também confusa.

–O que é tão importante. Foi um desmoronamento e nada mais.

–É aí que você se engana. Eu estava aqui perto quando vi o carro do sheriff passar e, como sou curiosa, resolvi ir atrás. Esperei até não ter ninguém por perto e fui dar uma olhada. Demorou, mas eu consegui achar.

–Minha querida Karina – começou Alex calmamente –, poderia dizer logo o que é isso, que eu já não agüento mais esperar – então fingindo um desespero.

Karina olhou para Albert:

–Ele devia estudar teatro, nunca vi alguém tão dramático – ela riu.

–Eu já disse isso pra ele. Mas é verdade, eu também estou muito curioso.

–Está certo, meus queridos, vamos lá ver.

Eles seguiram pelo fim da rua e saíram do pavimento, chegando aos poucos, ao pé do pico Creed.

A cordilheira que cerca Telshine é formada por três picos: o Creed, ao norte; o Murs, a oeste, e mais ao norte; e o Alaz, também a oeste, mas mais ao sul. O maior é o Murs, com 3.596 m de altura, o Creed, em segundo, tem 3.064 m, e o Alaz tem 2.721 m. Os dois maiores têm o pico coberto por neve e são cercados por uma leve névoa. O menor só apresenta a névoa.

Os três amigos seguiram na direção do Creed, que, a princípio, é formado por pequenos montes de cheios de arbustos que impossibilitam a visão de um paredão de pedra, onde realmente começa a montanha.

Eles andaram por cerca de 400 metros por entre os montes e arbustos, onde, enfim, puderam ver o paredão de rochas e, logo abaixo, uma grande rocha, que havia despencado, cercada por um alambrado e placas de advertência.

–Karina, você não disse que não havia perigo e que eles não ligaram pra isso? – Albert perguntou à ela, sem entender muita coisa.

–Isso não é possível – Karina falou, perplexa – eu saí daqui não faz nem uma hora. Eu mesma perguntei ao sheriff o que havia acontecido e ele me garantiu que não era nada – ela parou de repente – A não ser que…

–A não ser o que? – Albert perguntou, sério.

–Quando eles foram embora, eu comecei a olhar tudo, pois tinha visto o Sr. Somerset vasculhar ao redor, como se procurasse algo. Depois de uns cinco minutos, ele parou e disse ao sheriff que não havia risco, o sheriff disse que era melhor limitar uma área de segurança, mas o seu professor o convenceu de que não era necessário se preocupar, então eles foram embora.

–E como você ouviu tudo isso? – foi Alex quem quis saber.

–Digamos que meu instinto investigativo falou alto, aí eu me escondi ali perto.

–Você ficou louca? E se te pegassem? – Albert parecia bravo – Você sabe muito bem que não precisa se arriscar por esse tipo de coisa.

–Obrigada pela preocupação, mas eu sei me cuidar muito bem – Karina quis parecer mais brava que o amigo.

–Mil perdões por me preocupar com você – Albert fingiu estar frustrado.

Alex olhou para os dois, meio irônico, pois as discussões entre eles eram freqüentes, mas ele sabia o quanto gostavam um do outro. Então disse:

–Querem parar de ser crianças. A Karina está inteira e ela tem que terminar de contar o que ela viu.

–É verdade – Albert cedeu –, nos daria o prazer da conclusão de sua epopéia? – agora sorridente para ela.

–Mas é evidente que sim, meu caro ouvinte – respondeu ela, também sorrindo novamente.

Os dois riram e Alex deu o mesmo olhar de antes para eles. Tão facilmente os dois discutiam, mais facilmente eles faziam as pazes.

–Logo que eles estavam fora de vista eu comecei a vasculhar em volta da rocha, procurando qualquer coisa que fosse fora do normal. Eu fiquei rodando por uns dez minutos até que eu vi uma pequena rachadura no chão. Eu comecei a tirar a terra pra fazer com que a rachadura ficasse maior e de repente tudo começou a afundar. Era um buraco de uns 2 metros de diâmetro e 1,5 metros de profundidade, quase cai nele quando a terra começou a afundar. Dentro dele estava uma grande caixa de pedra. Vocês não adivinham o símbolo que estava gravado na tampa caixa.

–Não tenho a menor idéia – Albert respondeu à ela.

–Pensa um pouco, o Sr. Somerset procurou tanto, e ele sabia que estava ali – ela insistiu, entusiasmada.

Albert pensou um pouco, e a resposta veio à sua mente, simples como deveria ser, e ele olhou para a amiga, perguntando com os olhos se era o que ele pensava.

–Exatamente – ela confirmou.

–Odeio quando vocês fazem isso – Alex reclamou, como uma criança birrenta – Podem me dizer de uma vez que símbolo era?

Karina e Albert se olharam e riram, então olharam, ainda rindo, para a careta que Alex fazia.

–Já que a história é sua, sinta-se à vontade – Albert dirigiu-se à ela.

–Meu querido e lento amigo Alex, o símbolo que estava na caixa era o da Tríade, à qual o seu professor, Johan Somerset, é membro – Karina ainda ria um pouco, por causa de Alex.

–Agora que você falou, faz muito sentido mesmo – Alex se fez, como de costume.

Karina riu um pouco mais, balançou a cabeça para Alex e disse:

–Sei. Era muito óbvio mesmo. Mas, prosseguindo, provavelmente o Sr. Somerset achou a rachadura e a cobriu para esconde-la melhor, mas o vento estava ao meu favor e me ajudou. Eu forcei a tampa até conseguir abrir,…

–O que tinha dentro? – Alex interrompeu, impaciente.

–Se você deixa, eu conto – Karina fingiu dar uma bronca nele – Eu abri a caixa e ela estava repleta de papéis, cadernos, livros, algumas fotos estranhas e outras coisas. Eu comecei a mexer, até que encontrei um diário. – ela ficou séria e encarou Albert – Ele tinha as iniciais do teu avô, Albert.

–Não pode ser, deve ser alguma coincidência – ele comentou desconfiado e espantado, depois de alguns segundos.

–Eu o abri e ele dizia pertencer a John Michael Travelly – ela falou.

Albert pareceu estar em algum tipo de devaneio. Seu avô havia desaparecido há mais de dez anos em uma expedição na península de Yucatán. Foi por causa dele que Albert decidiu estudar cavernas. E agora, depois de tanto tempo sem notícias, um novo sentimento se acendeu dentro dele.

–Se esse diário for mesmo dele – ele finalmente falou –, pode ter alguma pista sobre o que aconteceu com ele. Nós precisamos ir até lá e pegar o diário.

Albert começou a andar rapidamente em direção ao alambrado, quando Karina o chamou:

–Albert, não precisa. Eu guardei ele comigo.

Ela abriu a bolsa que carregava e tirou um diário preto não muito grande, com as iniciais J.M.T. gravadas, em um dourado gasto, na parte inferior da capa. Ela o estendeu a Albert, que tinha se virado para ouví-la. Ele correu e a abraçou, deu um beijo em seu rosto e disse:

–Obrigado, eu te amo de verdade, Karina, muito obrigado.

Alex olhou espantado e ela corou e ficou se jeito por causa da reação do amigo, mas a alegria dele amenizou isso.

–Eu sei o quanto isso seria importante pra você, que seu avô é muito importante, e quis assegurar que não perderia isso – ela falou, sincera, a ele.

–E é por isso que eu cuido tanto de você, é o mínimo que eu posso fazer pra retribuir tudo o que você faz por mim – ele disse carinhosamente.

–É pra isso que servem os amigos – ela respondeu, ver o amigo tão feliz era mais do que ela podia pedir.

Albert pegou o diário e uma sensação tomou seu corpo. Ele preferiu não o abrir ainda. Segurou-o com as duas mãos e olhou para os amigos:

–Vamos à lanchonete comer alguma coisa, eu estou faminto.

Os dois entenderam o amigo. Ele tinha convivido tanto tempo apenas com a esperança de seu avô um dia voltar, e agora, com esse diário, ele tinha medo do que poderia descobrir.

Eles concordaram, sorrindo, e Albert guardou o diário com cuidado em sua mochila, então voltaram em direção à estrada, agora tomando cuidado por onde andavam, pois já havia anoitecido.

–Enquanto comemos, vocês podem me contar a história que prometeram – Karina quebrou o silêncio, quando chegavam ao asfalto.

–É uma ótima idéia – Albert voltou seus pensamentos à realidade – Talvez tenha alguma coisa em relação ao desmoronamento.

–Você disse que não tinha nada a ver – reclamou Alex.

–Vamos deixar essa conversa para a lanchonete – Albert riu.

–Cara, você adora me contrariar – Alex desanimou mais uma vez.

Eles seguiram o resto do caminho até a lanchonete conversando e rindo sobre coisas tolas, simplesmente para se distraírem, e fizeram muito bem.

***

Felipe Eduardo Marques dos Anjos
Enviado por Felipe Eduardo Marques dos Anjos em 16/11/2012
Código do texto: T3989559
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.