Toques e Palavras - Capítulo 01.

Toques e palavras.

Capítulo 01. - O vizinho, Elvis, Slipknot e uma conversa agradável.

Luan Vianna acabara de deixar no corredor mais algumas caixas usadas na mudança quando ouviu um estrondo, seguido por diversas palavras criativas e vívidas. Já conhecera muitas pessoas rudes, mas nunca antes ouvira tal combinação específica de palavras.

Largou as caixas e saiu apressado para o corredor do adorável prédio de tijolos aparentes na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, no qual acabara de alugar um apartamento. Havia caixas espalhadas por toda à volta de um homem - um homem grande – que estava se levantando e sacudindo a poeira de suas calças jeans black. Havia também um Golden Retriever perto do homem, cheirando-o, aparentando preocupação.

- Meu Deus, desculpe! - pediu Luan.

- Não desculpo não. - o homem disse grosso, seus olhos azuis dirigidos ao cão, em vez de para o menor. - O corredor não é depósito de lixo.

Luan ficou tão estarrecido com a brusca resposta que nem soube o que dizer. E antes que as palavras certas lhe ocorressem, o homem tateou em busca do portal da porta aberta diretamente em frente à de Luan.

- Elvis, venha. - o homem não olhou para trás, mas Luan ficou mais preocupado ao vê-lo atrapalhar-se por um segundo com a maçaneta.

- Hey, espere! Está se sentindo bem? Bateu a cabeça?

Muito devagar, ele se virou para encará-lo enquanto o cachorro entrava no apartamento.

- Não, eu não bati com a porra da cabeça. Bati com a porcaria do meu joelho, e ralei a palma da mão e o cotovelo, mas não precisa se preocupar, porque não vou processá-lo, moleque.

- Eu... A questão não é esta. - Luan estava desconcertado com a atitude agressiva daquele homem. - É que você pareceu tonto ou desorientado, e fiquei preocupado.

- Estou bem. - agora a voz dele parecia levemente cansada. - Obrigado pela preocupação.

Enquanto o homem virava a maçaneta e dava um passo cauteloso, Luan percebeu uma coisa: seu novo vizinho era cego. Ou, no mínimo, portador de uma séria deficiência visual.

O homem desapareceu no interior do apartamento e a porta se fechou com um clique alto.

Luan observou a porta fechada à sua frente e soltou um suspiro cansado...

''Parabéns, Luan! Já começou no novo prédio criando uma inimizade com seu vizinho! Ah, mas ele é um grosso também!'' - Luan se perdeu em pensamentos enquanto recolhia as caixas do corredor. Voltou ao seu apartamento e olhou ao seu redor. Certamente teria muito trabalho em seu novo lar, mas nada iria tirar àquele gostinho doce de liberdade que praticamente escorria por entre seus lábios feito mel. Ora, qual jovem não sonha em morar sozinho?

Luan havia acabado de cursar sua faculdade no ano anterior e já começaria o ano novo trabalhando na clínica veterinária de seu pai. O sonho do rapaz de vinte e dois anos, sempre fora ser veterinário, pois sempre fora louco por animais. Estava muito ansioso para começar seu trabalho, mas por hora tinha uma bela faxina pela frente.

Resolveu retirar o telefone do gancho, pois não queria ninguém lhe atrapalhando na faxina só para desejar boa-sorte no novo lar, já havia falado com seus pais e com seus amigos mais próximos, então não receberia nenhuma ligação importante... Aparelho desligado. Próxima tarefa vassoura! Correu até a área de serviço e pegou uma vassoura, um balde com água e cloro, dois panos de chão e uma flanela para limpar os móveis. Mas antes de começar àquela batalha ligou o som e pôs um CD de sua favorita, Slipknot e sorriu ao se lembrar dos comments de Corey Taylor sobre as capinhas de CDs.

Começou sua arrumação e até cantava! Guardou as caixas para levar a um centro de reciclagem, varreu toda a sala e cozinha, lavou o banheiro e pôs umas roupas na máquina de lavar, arrumou o quarto do seu jeitinho e por fim voltou até a sala com a intenção de tirar o pó, mas se assustou ao notar a presença de seu vizinho parado em sua sala com cachorro e cia. Desligou o som e exigiu uma explicação:

- O que você 'tá fazendo aqui?! - Luan gritou, levantando a flanela e o lustra móvel como se isso fosse lhe proteger de um possível ataque.

- Hey, eu sou cego e não surdo, então não grita! - disse o outro gritando.

- Desculpe, mas o que faz aqui? - abaixou o tom de voz - Não sabe bater não? - completou irritado.

- Eu estava batendo na porra da porta há séculos e você não veio abrir! E sabe porque? - fez uma pausa para gritar - Porque você estava ouvindo essa música de doentes mentais no último volume, como se o meu ouvido fosse penico! - gritou alterado e isso chamou a atenção do cachorro que rosnou para Luan, pois para o animal aquele homem estava fazendo algum mal ao seu dono.

- Calma, amiguinho. Nós só estamos conversando, sim? - Luan disse fitando o animal, mas no momento não sabia com qual fera devia se preocupar mais. O dono parecia tão ou mais assustador que o cachorro.

O cachorro continuou a rosnar e se aproximar de Luan que começou a ficar com medo. O cachorro era grande.

- Você não vai fazer nada?! - indagou para o outro - Mande ele parar, oras! - começou a dar pequenos passos para trás.

- Frouxo! - disse para o outro com um sorriso divertido nos lábios - Elvis, junto! - ordenou firme e no mesmo instante o cachorro estava ao seu lado.

Luan respirou com alivio...

- Obrigado e quanto ao som eu não sabia que estava lhe perturbando. - disse observando os olhos do outro.

- Hum, tá! - manteve-se emburrado e com um bico formado - Que isso não se repita, moleque.

- Hey, eu não sou moleque! - agora o bico estava na boca de Luan.

Odiava quando lhe chamavam de moleque e afins... E o outro também não parecia ser tão mais velho que si assim.

- Quantos anos tem? - o vizinho indagou tateando até achar o sofá onde se sentou.

- Pode ficar à vontade! - disse irônico o outro sorriu de lado - Eu tenho vinte e dois.

- Como eu disse: um moleque! - disse rindo e sua risada era gostosa de ouvir - Elvis, não vá mexer em nada menino. - se dirigiu ao cachorro que rapidamente lhe respondeu latindo duas vezes e abanando o rabo.

- Quantos anos tem, então velhote? - Luan já estava começando a ficar irritado.

- Trinta e um. - disse passando as mãos nos cabelos negros que caíam em sua testa.

- Não é muita diferença... - Luan murmurou baixinho se sentando numa poltrona perto do sofá.

- Moleque. - disse só para irritar o outro.

- Argh, não sou moleque! - disse irritado ao que jogou uma almofada que estava na poltrona na direção do outro e para sua surpresa o vizinho agarrou.

- É moleque sim! - disse rindo - Um moleque mimado com uma péssima mira! - gargalhava às custas do outro.

- Você não era cego? - indagou desconfiado.

- Eu sou cego, mas tenho ótimos reflexos, baby!

- Hum, que seja! Me diz, qual é o seu nome? - o menor se deu conta que até agora não sabia o nome do outro e nem ele o seu.

- Denis Nóbrega de Mello e o seu, moleque?

- Luan Vianna. - respondeu bufando, mas não ia mais discutir com o outro.

- Só?

- Como assim 'só'? - indagou arqueando uma sobrancelha.

A esta altura Elvis não ligava mais para a conversa calorosa entre seu dono e o novo vizinho, o cachorro apenas se divertia roendo a barra da capa de sofá que Luan havia ganhado de sua avó.

- Sem um terceiro nome?

- Tem o Sampaio, mas eu não gosto. - disse com uma careta.

- Luan Vianna Sampaio? - indagou.

- Sim.

- Credo que nome horrível! - disse rindo.

- Oras, como se o seu nome fosse lindo! - disse emburrado.

- Relaxa, moleque, tô só te zoando...

- Há-há-há. - forçou uma risada sarcástica.

- Tem alguma coisa 'pra beber aqui? - indagou girando os olhos e por um momento Luan quase se perdeu naquele gesto.

- Tem vou pegar!

- Quero cerveja!

- Vou buscar um suco de laranja 'pra gente e um pouco de água para Elvis! - disse e Denis fez um bico. Ao ouvir seu nome o cachorro levantou as orelhas em sinal de alerta, mas quando viu que estava tudo bem voltou a destruir a capa de sofá. Ambos estavam tão distraidos com a conversa que nem se davam conta do que o cachorro fazia.

Logo Luan já estava de volta com os sucos e a água de Elvis, o cachorro estava com sede!

- Toma! - disse estendendo o copo na direção do outro e quando a mão de Denis foi tocando seu braço até descobrir o copo, foi como se ondas elétricas passassem pelo corpo do menor.

- Obrigado, moleque! - disse ao pegar o copo.

Conversaram um pouco mais até que logo anoiteceu...

Continua?

Camylla
Enviado por Camylla em 14/03/2012
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