Na sua pele. Cap. 24.

POV Débora

Não me deixei intimidar pela presença dele. Na verdade, eu já esperava que nós fossemos ter uma conversa séria. O meu único amigo, que era apaixonado por mim. Rídiculo. Mas não achava que essa conversa aconteceria tão cedo. Só fazia um diazinho que eu estava no corpo de Annabelle, quer dizer, no meu novo corpo. O OFICIAL. Lucas me encarava como se eu tivesse cometido uma tentativa de homicídio, mas eu tentei parecer o mais tranquila possível. Sempre sorrindo, dei mais uma mordida no lanche.

-Como pode ter certeza? – Perguntei, com um leve tom de ironia por trás do meu tom angelical. – De que não é só um befle? – Tentei. Seria mais fácil se ninguém acreditasse nisso. – De que eu não sou a Annabelle de verdade?

Ele passou a língua pelos lábios como se desfrutasse de cada palavra

mordaz minha, pensando uma maneira de revidá-la com crueldade.

-Sei disso, por que a Débora... Eu digo... Você... Sempre recusou meus

convites de ir até essa lanchonete. Eu sempre falei, que... – Ele apontou para o meu sanduíche. – Esse lanche era fantástico e que seria demais se comêssemos juntos, mas... Você, sempre me dizia que só comeria um lanche desses se fosse linda e magra. O que você já era é claro, mas parece que SER quem você é, não é o suficiente para você, Debora.

-Eu não era linda. – Retruquei. Fui a única coisa que tomei ciência em dizer.

Ele balançou a cabeça negativamente com um certo charme esquisito.

-Era sim. Aliás, continua sendo. E não digo isso por causa que você agora é a Annabelle. Na verdade, digo que a Débora que você ocupava antes continua sendo linda. –Suspirou ele. –Mas eu me apaixonei por você. Por você. E não pela Belle.

-Shh... – Eu murmurei, parecendo levemente irritada. – Só cala a boca, Lucas. E Esse negócio de sanduíche não é suficiente pra nada sabia?

Ele revirou os olhos.

-Passei o dia inteiro com a Belle, o suficiente para saber que é ela que está no seu corpo, Débora. Somos amigos. Eu, e ela. –Explicou-me. Que gracinha! Quem sabe Lucas não poderia ter o que sempre sonhou?

-É, acho que então finalmente conseguiu. Vai poder ficar com a Débora!!! –Comemorei com um sarcasmo maléfico.

Ele deu de ombros.

-Você sabe muito bem, que ela não é a Débora... Que você é que é ela... Mas sabe, eu me dei conta de uma coisa. – Afirmou reflexivo, intrigado.

-O quê? – Perguntei sem me conter, dando mais uma mordida.

-Que você não presta. – Disse ele. Palavra por palavra. Talvez tenha sido por que a minha vida inteira eu só ouvi elogios e declarações de amor de Lucas, que suas palavras me chocaram tanto. Eu simplesmente congelei. Eu me afetei. Só não sabia porque já que eu o desprezava tanto. – Que você é só uma invejosa, e mesmo que viva dentro da mulher mais linda do mundo, sempre vai ser só isso. Uma perdedora. – As palavras doeram mais do que eu conseguia imaginar.

Tentei aparentar indiferença total, mas não tive êxito.

-Não me interessa mais nada. Eu sou Belle agora. Uma garota linda, meiga, e popular. E que tem o namorado mais perfeito do mundo. – A última frase foi para desbancar com o Lucas, mas no caso dele, realmente soou indiferente.

-Não, Débora. – Ele levantou as sobrancelhas sorrindo. – Essa garota está lá na sua casa. Vivendo no seu corpo. Com a sua mãe, e com a sua vida.

Ignorei-o, tentei evitar os pensamentos que me vieram à mente quando ele mencionou minha mãe. Engoli em seco.

-Não vai se arrepender? E se tudo se tornar irreversível? Você tem uma nova vida agora. – Acrescentou, tentando em vão me amedrontar.

Bufei.

-Eu estou feliz agora. – Contra-ataquei.

Ficamos nos encarando por um bom tempo, até ele desviar os olhos.

-Me explica... como fez isso? –Inquiriu parecendo inocente.

Se eu pudesse, até contaria a ele. Mas eu não sabia. Tentei dizer da melhor forma. Sabia que não teria nenhum efeito. Ele provavelmente estava apenas curioso.

-Não sei... Só pedi tudo que sempre quis ao amuleto da minha avó... E mesmo tendo jogado ele pela janela do meu quarto, os meus planos se concretizaram... – Lucas se manteve instável, como se tivesse feito a pergunta apenas por fazer. Seus olhos relampearam pela porta da lanchonete, mas depois voltar a olhar para mim, ameaçador.

-Seus sonhos eram roubar a felicidade da sua única amiga? A família dela? O corpo dela? O... Namorado dela? – Lucas cuspiu as palavras.

Mas não me aterrorizaram, se essa era sua intenção.

Apontei um dedo para ele.

-Você não tem ideia do que eu passei, Lucas... Não tem ideia.. – Os dias que eu passei chorando. Pelo Dani. Por Annabelle ter chegado e ter sido, injustamente, o que eu deveria ser.

-Ah, lá vem você com essa história de que ninguém te amava? De que você era uma aberração?... Olha Débora, a Annabelle continua sendo linda. Mesmo estando no seu corpo.

Eu dei uma risada seca.

-Não, ela não é. Talvez para você, Lucas. Mas não para o Dani. Aliás, Lucas, você não é relevante. Em nenhum ponto de vista. Nenhuma de nós te ama. Só quem importa é o Dani. Nós duas o amamos e o queremos. Nem eu, nem Annabelle, jamais vamos querer você. – Lucas assistia o discurso alheio, tamborilando os dedos na mesa, como se eu falasse grego. Eu me levantei para chamar a sua atenção. – O que nos interessa é a escolha do Dani. E o que ele quer??? – Passei as mãos nos meus cabelos longos e loiros, nas minhas novas curvas, e sorri com malícia. – Ele quer isso. – Afirmei, apontando para o meu corpo lindo.

Lucas parecia entediado.

-Se ele for um idiota, sim, ele provavelmente quer só isso... – Revidou ele, se levantando. – Mas se ele for alguém decente, ele quer a verdadeira Annabelle, não importa onde ela esteja. – Despejou, parando em frente para olhar dentro dos meus olhos, agora, completamente azuis. Ele fez uma cara que parecia similar à nojo. – Ele nunca vai querer algo vazio. É só isso que você é Débora. Uma garota vazia.

E então ele me deixou, saindo da lanchonete em passos rápidos sem nem olhar para trás, embora eu infelizmente tenha gritado pelo seu nome.

As palavras que ele dissera ainda flutuavam intactas e medonhas no ar. Só queria soprá-las, para bem, bem longe de mim. Dentro do meu bolso algo vibrou. O celular. Dani, provavelmente.

POV Dani

-Alô? – Atendeu Belle, com a voz emocionada, transparecendo felicidade.

-Belle? – Perguntei, cautelosamente. Havia feito aquela ligação com um único propósito. Mas me detestava por realmente estar fazendo isso.

-Oi meu amor. –Cumprimentou ela feliz.

Eu era um idiota, só podia ser. Por quê eu preferia ficar em casa assistindo televisão do que me encontrar com ela? A perfeição em pessoa?

-Tudo bom? – Eu quis saber.

-Melhor agora, falando com você. – Eu ri, misteriosamente. Logo feliz por estar falando comigo, eu que ia dar um mega bolo nela.

-Viu, eu tenho más notícias. – Informei. Eu não sabia por que estava prestes a desmarcar aquele encontro. Sei lá, parecia que uma parte de mim, o meu subconsciente, queria ouvir os conselhos da drogada. E aquilo era extremamente frustrante! Eu não estava com ânimo algum para ficar com a Belle, e há um dia atrás eu fazia questão de vê-la a cada segundo. Maldita drogada FDP!

-O que foi? – Desesperou-se ela. Como eu podia ser tão ridículo? Não. Quer saber, às vezes tudo não passava de uma simples indisposição.

Aquela doida não teria poderes místicos que mudassem as minhas escolhas de um dia para o outro.

-Então...Sabe sobre aquilo de hoje a noite?

-O que tem?

-Bom.. Acho que não vai dar. – Rezei, rezei mesmo para que ela compreendesse. Eu queria que estivesse tudo bem com a gente. Eu gostava dela mais do que tudo no mundo.

Então porque eu estava sem nenhuma vontade de passar a noite ao lado dela? O amor da minha vida?

-O QUÊ?

-Desculpa, meu amor. Acontece que eu to me sentindo um pouco...

Indisposto. – Por um lado, era verdade.

-Ah, não! Mais que droga, Dani... –Choramingou ela. Parecia triste como ninguém. Não achei que só pudesse ter sido eu a causar tudo Àquilo. Me detestaria mais ainda.

-Aconteceu alguma coisa? – Inquiri com um tom preocupado.

O timbre dela soava como derrota. Ah, como eu podia ser tão imbecil?

-Não.. É só que as os últimos minutos não tem sido tão felizes como eu imaginei, e agora... Bem, eu realmente queria ter ver mais tarde.

Suspirei.

-O que aconteceu à alguns minutos atrás?

-Argh... Você sabe aquela minha ex-amiga? – O quê? Aquela INFELIZ de novo?

Com ódio, murmurei algo que soou como um sim.

-Ela esta colocando todo mundo contra mim. Me incriminando de um monte de coisas, assim como fez com você. A diferença é que eles acreditaram. – Ela parecia tão melindrada, que comecei a me sentir culpado. E a sentir mais ódio daquela revoltada. Mas que merda era aquela? Querendo destruir a felicidade dos outros, há?

-Quem acreditou?

-Um amigo. De muitos anos. – Ela me explicou.

Que megera aquela tal de Débora! Não, eu não deixaria ninguém fazer a minha Belle de otária. Aquela inconsequente, tinha que saber com quem estava lidando.

-E como ele pôde acreditar naquela... Vadia, ao invés de você?

-Eu não sei, Dani. É tão injusto. – Disse, lamentando-se. Ela estava nervosa. Senti uma pena e uma vontade de protege-la como ninguém. Mas, algo, ainda me impedia de querer passar a noite com ela. Era tão confuso! Eu tinha vontade de tacar aquela porr# de telefone na parede.

-Não se preocupe, Belle. Eu vou dar um jeito nisso, tá? Ninguém vai fazer a minha Belle chorar! – Exclamei, na defensiva.

-Ah, obrigada meu amor. –Emocionou-se.

-Você não vai ficar magoada por não dar hoje né? A gente ainda tem muito e muito tempo para se encontrar. –Implorei. Na verdade, teria mesmo. É só que se nos víssemos essa noite, seria a coisa mais idiota do mundo. Eu provavelmente ficaria a noite inteira em devaneios. M

eus amigos têm razão: Eu tenho sérios probleminhas.

-Fica tranquilo, amor. Amanhã a gente se vê.

-Ok. Um beijo pra você. – Me despedi apressedamente. Eu estava confuso, e com raiva. Chutei a parede. Doeu. Queria saber qual era a daquela garota. E o que ela queria com a minha Belle. Ninguém faria aquilo com ela. Muito menos uma qualquer, como essa garota pseudo-tapada, Débora Richelli.

POV Annabelle

As expressões faciais no rosto daquela desconhecida simplesmente paralisaram. Eu sabia que era incapaz de mover um músculo, e a desconhecida do reflexo também. Era uma garota simplesmente... Estonteante. Não era a minha beleza. De boa, quando me virei para encarar no espelho, sei lá, achei que veria uma garota baixa e fina de cabelos loiros e compridos, bonita. Mas a que eu encontrei ali, me encarando seriamente imóvel, também era repleta de uma beleza... No mínimo diferente. Só consegui me dar conta de minutos depois do choque inicial sobre o que tinha acontecido. Parecia que minha mente havia deletado que eu estava num corpo que não me pertencia, e não no meu. Mas o corpo, que depois de alguns segundos de reflexão, detectei que era meu, pertencia tão pouco a minha ex-melhor amiga Débora. Quer dizer, ainda havia a linha de seriedade, as maçãs do rosto relativamente iguais, o formato do queixo e etc. Mas fora isso, eu estava olhando para uma outra garota. Aquela jamais poderia ser a mesma que chegara naquele salão, que eu trouxera para arrumar. Eu nunca achei que pudesse ficar assim, mesmo com a mais brilhante das transformações.

Na verdade, por baixo dos meus longos cabelos loiros e dos meus olhos azuis, eu sempre quis ficar diferente. Mas era como se a sociedade não deixasse. Era como se me impelissem a ter uma personalidade e eu físico de alguém que eu não sou, mas acabei me adaptando e sobrevivendo da ideia. As vezes, eu tinha o ímpeto de querer mudar radicalmente. Mas me lembrava de todas as minhas amigas, dizendo que dariam tudo para ser como eu, ter os meus cabelos, os meus olhos, que acabava desistindo.

Mesmo tendo a total noção, de que a garota que me olhava ali, não era eu verdadeiramente, era uma Débora Richelli completamente diferente, eu não evitei sorrir para o espelho, imaginando que aquela fosse a minha imagem, e o reflexo sorriu também, acompanhando os meus movimentos. A garota que me olhava parecia ser única, como se nunca fossem achar uma beleza tão semelhante e estável que aquela.

E apesar da minha saudade lancinante de voltar a ser eu mesma, fiquei feliz quando estava habitando dentro daquela nova garota, que mal parecia ser a Débora.

Era uma imagem completamente diferente.

Débora tinha a postura relaxada, olhava para baixo como se fosse apenas uma molécula invisível. Eu já acostumada a ser imponente, transmitia àquele corpo uma postura certa e confiante.

Débora nunca sorria, por causa do aparelho fixo. Mas na verdade, não fazia diferença alguma. Aquele mero instrumento de correção não alterava em nada, nada a formosura daquele rosto.

Débora tinha uma pele seca, totalmente danificada e cheia de cravinhos minúsculos. Aquela pele era lisa, completamente macia e incrivelmente pálida.

Débora traçava linhas mal-feitas em torno de seus olhos, que ficavam apagados por sua franja na frente dos olhos. Agora, eram nítidos os pontos faiscantes que eram os orbes acinzentados e bem realçados por delicadas camadas de lápis.

E o principal diferencial.

Débora tinha um cabelo castanho, embolado, frizzado, embaraçado, sem-vida e meio cacheado. A nova garota, a nova Débora-Annabelle, possuía vários e vários fios destribuidos uniformemente em sua cabeça, que estavam completamente soltos e lisos, naturalmente lisos, com um brilho fenomenal, a tinta mega-cara havia até hidratado as mechas, deixando-as completamente pretas, o que fazia um belo contraste meteórico com seus olhos cinzas. Como Débora tinha cabelos engrenhados e embolados, eles pareciam incrivelmente mais curtos do que eram, pareciam passar um tanto mais que a linha dos ombros, mas na verdade, completamente desembolados, hidratados e alisados, eles chegavam até sua cintura, mas as pontas-duplas foram tesouradas, deixando um repicado elegante até o meio das costas da garota.

Linda. Simplesmente linda.

Eu não me conformava em como a Débora tinha trocado a própria beleza por pura inveja de mim. Se ela soubesse, como poderia ser encantadora, se resolvesse apenas cuidar um pouco mais e aprender a valorizar a si mesma, provavelmente nada disso teria acontecido.

E eu ainda seria eu mesma, por que apesar de tudo, me sentir feliz em estar dentro de uma pessoa tão esplendida, eu queria muito voltar a ser eu mesma. Era os meus pais. Era a minha felicidade. Era o meu Dani. Dani. A dolorosa última conversa tinha sido horrível.

Será que ele havia criado um conceito ridículo sobre mim (em versão Débora)? Ou será que ele havia rido dos meus conselhos e voltado a ficar com a Débora (em versão Annabelle)?

A segunda opção era bem mais provável. E bem mais frustrante. Dani nunca entenderia, e ficaria com a Débora. E se eu não voltasse a ser eu mesma, talvez eu nunca mais chegasse perto do garoto que eu amava. E isso era uma ideia mais do que torturante! Eu só queria contar para ele, mas era improvável que acreditasse. O Dani era um cara perfeito – e eu tinha certeza disso – mas jamais entenderia uma maluquice dessas. Provavelmente estaria ignorando qualquer coisa que eu disse em minha versão Débora, e ficando com a minha maligna- ex melhor amiga em forma de mim.

E se ela voltasse a ser quem era, iria ter que me agradecer um bocado, por que o que eu ainda via diante do espelho era uma diva. Uma garota linda e maravilhosa. Eu até estava imaginando a reação das pessoas ao notarem aquela nova e perfeita Débora Richelli. E isso foi a única coisa que me deixou feliz demais da conta naquele dia.

E pensar em felicidade me lembrava... Dele. Era torturante demais imaginá-lo com outro alguém (mesmo que disfarçada de mim). Mas sempre que eu ficava feliz eu lembrava dele. Oh, droga. Eu tinha que dar um jeito de falar alguma coisa pra ele. Algo que funcionasse. Sei lá. Eu tinha que pensar em como afastá-lo da Débora, e depois, quando eu voltasse a ser eu mesma, atrai-lo de volta. Era algo tão complexo! Eu só sabia que não conseguia ficar parada. Talvez, agora como eu seria uma Débora mais auto-confiante, eu conseguiria ter algum argumento melhor.

Ou não.

Mas eu tinha que fazer isso logo.

O mais rápido possível.

Então a ideia voou até os meus pensamentos. Apressada, corri para pagar com o cartão de Crédito a Obra-prima que realizaram, e me precipitei, bolando as ideias na minha mente. Tinha que me apressar. Eu já sabia o que faria. Era tanta coisa em um só dia. Mas Eu não iria esperar até amanhã na escola. Talvez se esperasse já fosse tarde demais pra fazer qualquer coisa.

Tinha que ser Hoje.

Lívia Rodrigues Black
Enviado por Lívia Rodrigues Black em 06/03/2011
Código do texto: T2832547
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.