Parafraseando Manuel de Barros.
Pois bem, parafraseando ele que muito escreveu sobre o nada:
"escrevi também aos dezessete anos:
um rumor de vinho claro,
de bocas e mãos unidas.
e um cheiro de mel e flor,
rasparam, aí, como espada
meu corpo cheio de noite
[...]".
nos meus dezessetes anos eu escrevia que o céu era roxo por causa do cloro da piscina e que o ar sempre era inebriado pelo cheiro do vinho barato. não se tinha medo de nada e os sonhos eram feitos de crepon, ofício, guardanapo. a poesia era feita sem rima nem métrica pra descontruir tudo ou qualquer coisa. só se receava a falta da bebida, o tédio e o ponto no final da frase. as bocas e as mãos eram unidas com desejo, mas sem paixão, ninguém sabia direito o que era amar ou todos pensavam saber. amor era algo que todo mundo deveria ter, espécie de imperativo: beba coca-cola! aí saíamos como loucos atrás dele, procurando atrás dos bancos, nas moitas, no campo, nas quadras, no vão da escada, por entre os livros das bibliotecas e livrarias. no final: chegava-se em casa exausto e sem amor, de ressaca e sem amor, sem dinheiro e sem amor. vomitávamos e nao havia amor. até que um dia eu conheci ele, assim sem querer, me derreti, minha prosa falhou, fiquei muda, virei verso, reverso, inverso, retrocesso. comecei a roubar rosas, corria e tropeçava. um dia acabou, claro que nao foi tão simples, mas com o passar dos anos tudo se resume a meia dúzia de palavras, então, um dia acabou: "rasparam, aí, como espada
meu corpo cheio de noite".