Conto-te do beijo à noite
Era uma menina de seus doze anos, rosto redondo, cabelos curtos e, no momento, o brilho alegre dos olhos era ainda mais visível. O vestidinho verde nas sandálias de dedo atribuía-lhe um ar de menina sapeca que a cena dela ali escrevendo fazia um bem a uma alma de seus sessenta e poucos anos.
Na sala contigua, dona Teresinha apenas sorria intimamente e voltava os olhos às aplicações de sua colcha de crochê branca. Aquela criança transpirava sonhos como os seus; em outros tempos, outro lugar...
Dadá,
Ontem à noite aconteceu algo incrível! O Johnny me beijou no rosto. Eu já havia te dito: “Ele gosta de mim!”
Bem, agora eu sou a única menina da rua que já foi beijada! Mas sabe, eu fiquei morta de medo de meus irmãos nos pegarem! Seria um auê. Já pensou?
Hoje à noite nós iremos brincar de roda (casamento chinês) na porta da casa de dona Teresinha. Ela já permitiu e vai até fazer suco.
Estou te esperando. Vem, boba!
Vai ser ótimo.
Tchau.
P.S. Ele também me deu um beijo de selinho. Eu te conto tudo, tudo à noite.
O céu tinha um azul limpo de nuvens e pelo que a menina lembrava o relógio da parede da casa de dona Teresinha dera há instantes onze horas. O sol quente fê-la posicionar uma das mãozinhas por sobre os olhos como a aba de um boné. Todo o corpinho franzino tinha um ar de vivacidade e dir-se-ia que ela pensara em sair saltitando pelas calçadas das casas vizinhas com o bilhete na outra mão.
Mas não. Os pezinhos atravessaram a rua e ela bateu na porta da casa em frente a que estava momentos antes. Um menino atendeu.
O pequeno com seus olhinhos cor de mel, o cabelo alourado, com as faces sorridentes tocou no braço da menina e a convidou a entrar:_ Mamãe esta cozinhando macaxeira e tem água fervendo para o café, Nena!
E veio à imaginação da menina o cheiro de café coado enchendo-lhe a boca de água. Mas não!... Seu espírito, baralhado de ideias, pulsando de sentidos no coração, não permitia-lhe fugir do que viera fazer ali.
_Olha, Jânio,_ disse com um tom de expectativa na reação do menino_ eu preciso que tu vás à casa da Dadá e lhe entregue este bilhete _ estendeu o papel cuidadosamente dobrado.
_Agora?
_A mamãe me proibiu de atravessar a ponte de ferro desde aquela brincadeira de pular no rio na semana passada.
_O trem está quase passando para Teresina. Pode ser depois?
_Pode. Eu vou ficar aqui esperando contigo.
_Então... Vamos tomar o cafezinho da mamãe enquanto isso?
Em pouco se ouviu o trem de ferro passando nos trilhos e a fumaça da fornalha de lenha atrás. O coração de Nena teve um sobressalto. A vontade era de ela mesma falar já já com Dádá, mas ficaria para a noite!