BETINHO E LUÍSA E AS CURVAS QUE A BOLA DÁ

Betinho senta na arquibancada, calça a chuteira, lembrando de amarrar bem os cadarços. Não quer repetir a cena do mês passado, quando tropeçou nos fios do cadarço da chuteira e levou um baita tombo, sendo motivo de chacota da turma toda. Além de ter errado o chute e perdido o gol, ainda ficou espatifado no gramado. Um mico daqueles.

Agora aquela cena já faz parte do passado e Betinho quer fazer alguns gols e criar novas memórias nos colegas, para não ser para sempre o menino do tombo, o dono do apelido de Betinho “Caio”. Quer ser Betinho, o goleador.

Cumprimentado pelo capitão do time, o Douglas, Betinho se sente mais confiante. Desta vez ele vai colocar a bola dentro da rede. Como nem tudo é só coisa boa, o zagueiro Mateus aproveita para tirar aquela onda:

- Vê se cola um esparadrapo nessa chuteira, afinal não queremos ver você comendo grama, Betinho.

- Sorte sua que jogamos no mesmo time, senão iria ter pesadelos hoje à noite comigo. Porque hoje estou com faro de gol, hein?! – se saiu bem Betinho, com seu bom humor.

Na pequena arquibancada estava a amiga Luísa torcendo para ele. Ou torcendo para ele cair de novo e ela se divertir às suas custas. Ela nunca foi fã de futebol, apesar de se declarar torcedora do Corinthians. É uma torcedora daquelas que não teriam dificuldade em virar a casaca, como se diz no futebol. Poderia mudar para o Palmeiras ou Flamengo num piscar de olhos.

- Vai, Betinho, vê se dessa vez não passa vergonha, hein? Saiba que vou filmar aqui. Se cair desta vez estará famoso na internet! – brincou Luísa.

- Ô Luísa, vê se pega leve! Incentiva, torce a favor! – pediu Betinho.

- Estou torcendo, uai – respondeu.

- Pois não parece – devolveu Betinho.

O capitão Douglas chamou a atenção de Betinho:

- Se concentra no campo. Jogador não dá moral para torcida. Pelo menos jogador bom não faz isso.

Começa o jogo. Era uma espécie de clássico do bairro. O time de vermelho, o Dragões, de Betinho, sempre tinha muita dificuldade contra o Bessa, de azul, o time da rua da praça.

A última vez que se enfrentaram o Bessa venceu por 3 a 1. Betinho fez o gol do Dragões, mas não adiantou. O goleiro do time tomou três e a derrota deixou os meninos bem tristes.

Perder é ruim, perder para o rival é pior ainda. Não tem remédio que cure a dor da decepção de perder esse tipo de jogo.

Betinho sabe que a responsabilidade é grande. O time adversário é até melhor que eles. Mas o Dragões tem que compensar isso no esforço, na luta de cada jogador. Betinho entra em campo disposto a brilhar. Tem certeza que fará uma partida de craque. Intuição.

Mal a bola rola e Betinho faz um cruzamento na cabeça de Jairzinho, que acerta a trave. Já é um sinal que a sorte irá sorrir para o time de Betinho. É só caprichar um pouco mais e o resultado irá aparecer.

Após um jogo muito disputado e com dois gols de cada lado, Betinho está cansado e com a sensação de ter feito um jogo bom, mas não tão bom como queria ter feito. Como imaginou que teria feito. Não fez gol, não deu passe para gol. Fez uma ou outra boa jogada. Mas não levou sorte na hora de colocar a bola na rede.

Mas parece que o destino tinha reservado um pouco de emoção para o final do jogo. E a sorte tinha dado uma chance a Betinho.

Uma falta perto da grande área a favor do Dragões. Betinho pede a bola para bater. Faltam dois minutos para o fim do jogo. Betinho está confiante. O resto do time confia nele para a cobrança da falta. Betinho já está cansado, suado, com as pernas um pouco pesadas. Mas está com a cabeça boa, com boa clareza de ideias. E o mais importante no futebol: está confiando que é o seu momento. Não irá deixar passar essa chance de ouro. Respira fundo. Ajeita a bola. Respira de novo. Dá três passes para trás. Olha o goleiro. E caminha em direção à bola.

A sorte está lançada. Betinho caminha e bate com o lado de dentro do pé na bola, com certa força. A bola sai fazendo uma curva, meio que fazendo um tipo de arco. Desce um pouco, perde força, mas ganha mais efeito ainda.

O goleiro, que é bom, salta e se estica todo. Mas a bola consegue sair do alcance das mãos dele. Cai macia perto do travessão, bem no canto esquerdo do goleiro. Um gol de placa como se diz, um gol de craque. Betinho está correndo e abraçando os companheiros de time. É o gol da vitória.

Na arquibancada, Luísa se rende ao talento do amigo e mostra um sorriso verdadeiro. Não pula para comemorar porque está filmando a jogada, para mostrar a Betinho. Será uma recordação que ele irá querer. Para mostrar para todo mundo nas redes sociais.

Luísa, que não é tão entendida de bola, tem outros planos. Ele quer estudar com ele os aspectos da Física naquele lance de futebol. Está impressionada com a curva que a bola fez. Ele não conhece muito esse tipo de jogada e está de boca aberta com o que viu.

O jogo termina e Betinho é o grande herói da vitória. Ninguém mais se lembra que ele é o menino que tropeçou no cadarço da chuteira e caiu. Agora ele é o Ronaldinho Gaúcho do bairro, o cara que faz golaço de falta no fim do jogo.

Betinho está curtindo muito aqueles minutos de fama e se imaginando dando entrevistas para os repórteres da televisão. Já tem até discurso ensaiado, vai falar de humildade e de como está feliz por ter ajudado os companheiros a conquistarem aquela importante vitória. Mas não tem câmera nenhuma. Apenas a câmera do celular de Luísa lhe filmando.

- Parabéns, Betinho, você é o herói do jogo! – disse num raro momento de elogio verdadeiro.

- Você está com febre? – brinca Betinho, passando a mão na testa dela, para conferir a temperatura. Claro que num tom de brincadeira.

- Estou ótima. Aliás, estou com ideias para mais tarde no laboratório. Encontre-me lá às 15h – propôs Luísa.

- Já vem você com suas ideias...

- Leve a bola – recomendou ela.

- Tá bom, tchau!

Após viver dia de herói em casa, com direito a almoço especial, com pudim de sobremesa, Betinho chega ao laboratório no horário marcado, como sempre. E com a bola, como havia pedido Luísa.

Abriu a porta e ficou lá sentado esperando pela colega. Enquanto ela não chegava, Betinho via pela centésima vez o vídeo feito por ela do seu gol de craque.

Com aquele sorriso de satisfação, ele suspirava e se achava o cara do momento, o nome a ser falado em todas as rodas de conversa do bairro. Betinho, o craque!

- Betinho, saia do mundo da Lua e aterrissa na Terra! – cobrou Luísa, ao chegar já fazendo o que ela fazia de melhor: deixar Betinho desconfortável.

- Estou aqui vendo como sou bom de bola!

- Sai de campo o jogador e entra o cientista. Sai o Neymar e entra o tal Pequeno Albert. Por favor, Betinho, foco! – brincou Luísa.

- Sou todo ouvidos, qual é a questão, Luísa?

- A curva da bola, Betinho, a curva que ela fez.

- Não entendo de futebol, mas tento entender um pouco de Física, Betinho. Descobri que a bola chutada pode fazer curvas no ar por causa do efeito Magnus – elaborou Luísa.

- Quem é Magnus? Um craque alemão? – brincou Betinho.

- Não. Nem craque, nem alemão. É o nome que se dá ao fenômeno hidrodinâmico da pressão que as correntes de ar exercem sobre a bola.

- Nossa! Eu sabia que tinha a ver com Física, mas não sabia exatamente como – disse de forma humilde Betinho.

- Quem é a craque agora? – se gabou Luísa.

Para provar sua teoria, Luísa ligou o computador e buscou no YouTube alguns vídeos de chutes com curva bem famosos.

Ficaram encantados com um lance de 1997, do jogador Roberto Carlos, da seleção brasileira, em um jogo contra a França.

- Diz aqui que é a bola fez uma das maiores curvas já vistas num jogo de futebol. É o chute que desafiou a Física. Foi estudado por grandes nomes da Física. Que massa! – se maravilhou Betinho, vendo pela quarta vez o golaço de falta do lateral brasileiro.

- Confessa que foi mais bonito que o seu gol, Betinho! – Luísa não deixou passar a oportunidade de zombar dele.

Betinho ficou com uma pontinha de inveja do gol, das curvas que Roberto Carlos conseguiu colocar.

- Mas o cara é profissional da bola né, Luísa? E é adulto. Eu sou uma criança ainda e nem vou ser jogador, vou ser um gênio da ciência! – se saiu por cima Betinho.

- Claro, claro! Será o meu auxiliar no projeto que vai me garantir o Prêmio Nobel – brincou Luísa.

- Vou ser é o novo Einstein, o Einstein brasileiro, um homem amado e citado nos livros de história. Pode acreditar!

- Voltando do mundo da Lua para a realidade... – propôs Luísa.

- Estamos de acordo com a bola faz curva e que isso é um fenômeno físico. Mas agora é saber como e por que isso acontece – disse Betinho.

- Descobri que o sentido de rotação da bola faz com que em um lado dela a rotação fica no mesmo sentido que o fluxo de ar. E... enquanto o outro lado gira no sentido oposto. Por isso ela faz esse movimento de curva e não vai retinha – ensinou Luísa.

- Vendo por esse lado parece uma coisa tão difícil de fazer, mas para quem nasce com o dom, como eu, é a coisa mais fácil do mundo – brincou Betinho.

Luísa não quis debater com ele, afinal tinha feito até vídeo. Ou seja, a prova do que ele acabara de dizer.

- Se arrependimento matasse estaria morta por ter feito esse vídeo – disse.

- Você é privilegiada por ter visto ao vivo esse grande momento do futebol e da Física – brincou Betinho.

- Acho que estou criando um monstro, isso sim! – devolveu Luísa.

- Monstro sagrado do futebol e da ciência!

Após uma ou outra alfinetada, Betinho e Luísa chegam a uma ideia que pode ajuda-los na pesquisa.

- Que tal se a gente usar o meu chute e de outros jogadores e explicar cada detalhe da Física neles? – propôs Betinho.

- Por que o seu gol precisa estar no meio? – quis saber Luísa.

- Por dois motivos, Luísa: porque é de um garoto comum e não um craque consagrado do futebol, isso ajuda a tornar nosso vídeo mais real. E, o segundo e não menos importante motivo: porque foi bem filmado por você – quis bajular Betinho.

Luísa foi fisgada pelo elogio/bajulação de Betinho. Ele também sabia como manipular a vaidade dela.

- Faz sentido, Betinho, faz sentido. Me convenceu – disse.

- Temos que usar aquele gol do Roberto Carlos, colocar a velocidade do chute, que foi 130 quilômetros por hora, a distância, 35 metros, e o arco que a bola consegue fazer, antes de chegar ao gol – disse Betinho.

- Arco ficou poético, gostei!

Betinho trabalha no roteiro. Luísa busca imagens no YouTube. Selecionou quatro gols importantes. Junta com o vídeo dela, do gol de falta de Betinho.

Depois começam a gravar as falas, dos dois, explicando os detalhes científicos de cada lance.

- A gente bem que poderia trabalhar de comentaristas na tv. Não tem os comentaristas de arbitragem, que falam sobre a atuação dos juízes de futebol? Então, por que não comentaristas de Física? A gente poderia explicar a relação entre futebol e ciência – se empolgou Betinho.

Uma hora depois o vídeo fica pronto, com boas explicações sobre Física e futebol. O mistério da curva da bola nos chutes é desvendado em detalhes, gráficos e equações.

- Gostei do resultado, acho que é um bom trabalho em equipe – destaca Luísa.

- Quem diria que Luísa, a garota que não curte futebol, estaria no YouTube falando sobre futebol... – provocou Betinho.

- Não é só futebol... É, principalmente ciência – disse Luísa.

- Nunca é só futebol, como se diz por aí. E nunca é só ciência – respondeu Betinho.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 16/04/2022
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