Um murro por meia bolacha

O ano de 1959 pegou-me na segunda série escolar, no Grupo Velho, que era como chamávamos todos o educandário Grupo Escolar Professor José Valadares.

Consolidando-me na arte da alfabetização, eu lia os cartazes de Lili e me aventuraval nalguma ou outra publicação mais avantajada. Mas não ia muito além, e tampouco ficava tão aquém. Nossa sala de aula já se situava no segundo andar do velho casarão que pertencera a uma Maria Tangará de tempos coloniais, o que era um progresso notável sobre o primeiro ano, que ficava no andar térreo.

Dona Gilda já não era mais nossa mestra. Dona Zinha a substituíra com a disciplina e a dedicação mais enfatizadas. Zinha era por Maria José Lima.

Dos colegas, que eram mais do que uma trintena, me lembro duns nomes salteados, como os irmãos Élisson e Eduardo, o Edinho, meu vizinho de rua e companheiro nas idas e vindas, o José Ricardo, o Paulo Antônio, o Péricles, o Raimundo, o José Ailton, o Duarte, o Márcio, o José Luís, dito Bis, o Valdir, o Waltinho...e as meninas: Marlene, Regina, Suzana, Antonieta, Neusa, Maria Elisa, que acabava de chegar de Martinho Campos, a Hélia...e a cada ano que passa, se me enfraquece a memória...Mas ainda hei de achar um dia os registros escolares dessa turma...

O que achei, contudo, mais saliente, foi justamente o nariz do Edinho, na segunda fileira, no qual dei despretensiosamente um murro, por alguma razão boba...justamente no momento em que Dona Zinha adentrava a sala. Meio dia e pouquinho.

Pouquinho entretanto, não foi o sangue que jorrou do nariz do Edinho. Que ficou mudo, enquanto eu não sabia onde enfiar a cara enquanto o carão veio com toda a indignação de uma mestra enfurecida.

O castigo veio junto também. Apanhar um mulambo e um balde d´água com as serventes e limpar aquela sangueira. E minhas lágrimas que corriam em profusão igual. E a xingação não as interrompia, ao contrário, lhes dava força. Mas passada a descompostura, Dona Zinha não mais falou no assunto. Nem descontou nas minhas notas. Nem em comportamento.

De minha parte nem tentei desculpar-me dizendo que fora involuntário, só uma simulação de luta, que era corriqueira naqueles tempos de saudável bullying. E o entrevero nem teve consequência no companheirismo meu com o Edinho e vice versa.

Continuamos a ir e voltar juntos. E ele até me dava meia bolacha das duas que comprava na volta, na Padaria Boa Sorte.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 07/11/2016
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