CARTA A UM PINTASSILGO

Cidade da Saudade, 20 dias ausente de 2000 e uns.

Meu querido Pintassilgo

Faz um tempo que você partiu. Meu avô – lembra dele? – está tão triste porque você era o seu melhor amigo. Hoje ele guardou a gaiola que foi sua. Os olhinhos dele estavam cheios de lágrimas ao recordar o dia que você chegou a nossa casa. Era um dia de muita chuva. Vovô foi até o jardim a procura do meu cachorro Totó. Não o encontrou, mas viu você todo molhado, encolhido, tremendo de frio debaixo da velha roseira. Vovô pegou você, secou suas penas, guardou você dentro da camisa dele para que ficasse aquecido. E deu certo. Você reviveu, mostrou a beleza vermelha das suas penas, a sua cabeça preta orgulhosa e o seu canto lindo.

Aí vovô fez uma gaiola pra você morar com a gente. Acho que gostou da gaiola porque você cantava tanto e eu sentava no chão, da área de serviço, para ouvir a sua música. Foram dias de felicidade. O seu trinado enchia a casa e a nossa vida de muita alegria. Vovô fez de você um filho querido. Todas as manhãs ele cuidava de você, conversava e imitava o seu canto. Eu também queria imitar, mas o som que saía da minha boca era como um sopro na boca de garrafa.

Não sei qual a razão da sua partida. Talvez não quisesse ficar preso. Minha mãe disse que foi a saudade do mato que o fez escapar. Aqui em casa você cantava para poucas pessoas, na mata a platéia é bem maior. Minha mãe também disse que ao cair da tarde Deus vem a terra para ouvir cantar o coral da floresta e você é um dos cantores. Sabe Pintassilgo, se um dia você voltar não viverá mais naquela gaiola, vovô fez uma casinha no alto da goiabeira e você pode entrar e sair na hora que quiser.

Se Deus quiser essa carta chegará às suas asas e você saberá o quanto nós o amamos, o quanto queremos que volte, não para ficar prisioneiro, mas como visita querida para alegria do meu avô velhinho que chora por conta da saudade que sente de você. Sem mais fico por aqui aguardando a sua resposta olhando para o alto da goiabeira. Um beijo do seu amigo:

Ricardinho

(texto de Maria Hilda de J. Alão)