HISTÓRIA DO FUNDO DO MAR
O colorido de seu corpo chamava a atenção. Ele era um peixe exótico cor laranja com tiras brancas, outras pretas (estas, bem mais finas, ficavam entre a cor laranja e a branca) e uma maneira desalinhada e desajeitada de nadar. Por conta disso foi chamado de Peixe-Palhaço. Sua casa ficava no Reino das Águas Tropicais e Subtropicais. Adorava os recifes de corais e suas melhores amigas eram as anêmonas do mar que o protegiam abrigando-o entre os seus tentáculos.
Além da beleza física que Deus lhe deu, este peixe-palhaço tinha dois olhos de um brilho extraordinário. Pareciam dois diamantes negros e por isso seus pais puseram-lhe o nome de Olhos Brilhantes. Olhos Brilhantes cresceu. Já estava na adolescência, a idade das aventuras, do sabe tudo, mas não sabe nada, do eu quero, do eu vou e pronto.
Um belo dia, Olhos Brilhantes (desobedecendo às ordens de sua mãe) nadava longe de sua casa acompanhando um cardume de peixes migratórios só por curiosidade. Ele achava engraçado aquele amontoado de peixes nadando freneticamente, aparentemente sem destino. Esta ação impensada lhe rendeu uma pequena dor de cabeça. Como voltar para casa? Perdera a noção de direção devido a enorme confusão que faz um cardume e peixes-palhaços não se agrupam formando cardumes, daí a inexperiência de Olhos Brilhantes.
Olhos Brilhantes olhava a sua volta e via peixes desconhecidos. Que lugar era aquele, meu Deus? Onde estão as anêmonas suas amigas? A água do mar não era tão clara do jeito que ele conhecia. Não era o seu espaço, disso ele tinha certeza. Por que era tão curioso? O seu espírito aventureiro só lhe rendia aborrecimentos.
Enquanto isso, lá na casa de Olhos Brilhantes, a anêmona Sinhaninha, a sua melhor amiga, estava preocupada. Seu amigo não retornara, até o presente momento, de suas aventuras. Ela sempre lhe dizia:
- Cuidado, Olhos Brilhantes, o reino das águas é imenso, não se meta a explorador de lugares desconhecidos. Mas isso não era suficiente. Volta e meia, lá estava o peixe-palhaço envolvido com apostas para ver quem nadava mais rápido, outras vezes ele fazia excursão até as cavernas onde viviam as lulas gigantes. E a última que ele tinha aprontado foi subir no casco de uma gigantesca tartaruga e se não fosse a vigilância de Sinhaninha ele teria ido parar no Pólo Norte.
Olhos Brilhantes estava envolvido em pensamentos quando ouviu uma voz juvenil perguntado:
- Quem é você? De onde vem?
Virou-se e viu um peixe maravilhoso e estranho para ele. Era um peixe-donzela de rabo amarelo. Que coloração vistosa! Lindo!
- Eu sou Olhos Brilhantes, o peixe-palhaço, e estou procurando o caminho para retornar ao Reino das Águas Tropicais e Subtropicais porque é lá que eu moro. – respondeu o peixe.
- Você está muito longe de casa. Aqui é o Reino das Águas Costeiras. Eu sou Tininha e vivo naquele recife, lá no fundo, com a minha família. Como eu nunca saí daqui, desconheço o caminho que leva ao Reino das Águas Tropicais e Subtropicais. – disse ela.
Olhos Brilhantes ficou triste. Como faria para voltar? Era a pergunta que bailava na sua cabeça. Como que lendo os pensamentos do peixe, Tininha propôs:
- Vamos perguntar ao Tonico, o ouriço do mar. Ele é muito viajado e, talvez, possa dar a informação que deseja.
E Tininha levou Olhos Brilhantes até onde estava o ouriço do mar. Contaram a história para ele. Depois de pensar uns minutos ele disse com aquele vozeirão:
- Sinto não poder ajudá-lo, meu caro peixe. Eu, em minhas inúmeras viagens, nunca conheci tal reino. Já ouvi falar dele, mas saber chegar lá, isso eu não sei.
- E quem pode ajudar Olhos Brilhantes? – perguntou Tininha.
- Falem com Dalvina, a estrela-do-mar. – informou o ouriço.
E lá se foram Tininha e Olhos Brilhantes a procura da estrela Dalvina. Encontraram-na. Ela dormitava, quase coberta pela areia do fundo do mar, e os dois peixes com medo de acordá-la, falavam bem baixinho:
- Será que ela sabe!?
Levaram um susto quando Dalvina, desperta, perguntou:
- Eu sei o quê?
- A senhora sabe qual o caminho que leva ao Reino das Águas Tropicais e Subtropicais? Eu me perdi e...
- Já sei, - interrompeu a estrela – desobedeceu aos pais e se afastou demais de sua casa, estou certa? – disse severamente.
- É... foi... foi... foi isso... – gaguejou Olhos Brilhantes
- Saber o caminho eu não sei. Só sei que sozinho não poderá chegar até a sua casa. Vai precisar da ajuda de um guia com experiências em viagens a reinos distantes. – prosseguiu a estrela.
- E quem pode ajudar? – perguntou Tininha.
- O cavalo-marinho. – afirmou a estrela-do-mar, enterrando-se na areia para voltar a dormir.
O cavalo-marinho, conhecido por sua sabedoria, força e coragem, morava muito distante da casa de Tininha. Para chegar até ele era preciso enfrentar alguns obstáculos. Por isso Tininha foi falar com seu pai. Apresentou Olhos Brilhantes para ele e contou a história. O pai resolveu ajudar o peixe-palhaço. Naquela noite Olhos Brilhantes dormiu na casa de Tininha. Pela manhã, logo que o sol iluminou as águas do mar, partiram os dois para encontrar Tristão o cavalo-marinho. Passaram por um túnel de águas geladas; depois enfrentaram ondas enormes; entraram numa corredeira que ia desaguar em forma cachoeira num abismo no fundo mar; desviaram e foram sair no território dos tubarões. Por sorte não havia nem um deles por ali. Nadaram rapidamente e o pai de Tininha avisou que já estava próxima a casa do cavalo-marinho.
Chegaram cansados. O cavalo-marinho, admirado, perguntou ao pai de Tininha por que ele estava tão longe de casa. E a história foi contada novamente. Tristão ouviu tudo com muita atenção nadando de um lado para o outro. Terminada a narrativa, Tristão virou-se para Olhos Brilhantes e disse:
- Criancice! Quando aprender a ouvir os mais velhos não se meterá em semelhante enrascada. Eu conheço o caminho de sua casa. Já estive por lá muitas vezes. Para levá-lo será preciso a ajuda do meu amigo Espeto, um peixe espadarte muito valente. Ele tem o corpo alongado e sua principal característica é o prolongamento do maxilar superior, como se fosse uma longa espada. Daí vem o nome espadarte. Digo isto porque o caminho é cheio de imprevistos e Espeto impõe respeito.
O cavalo-marinho falou com o seu amigo Espeto que, de pronto, aceitou a empreitada.
- Meu caro Tristão, está acertada a viagem. Vamos levar a criança desobediente para o lar. – disse rindo o espadarte.
Fizeram os preparativos e partiram no dia seguinte logo pela manhã. O peixe espadarte ia à frente como que limpando o caminho para os dois que vinham atrás. Que peixe teria o topete de se meter com Tristão e Olhos Brilhantes? Nem unzinho só! Viajaram um dia inteiro e tudo correu muito bem.
No segundo dia o cavalo-marinho avisou que estavam próximos da floresta de sargaços. Espeto se adiantou chegando primeiro e foi logo dizendo bem alto:
- Passarão por aqui dois amigos meus. Quem mexer com eles mexe comigo. Quem não acreditar que experimente.
Houve uma agitação na vegetação. Os demais peixes foram se afastando para dar passagem ao cavalo-marinho e o peixe-palhaço. Viajaram por muitas horas dentro da floresta, até que saíram num lugar que parecia um poço. Ali era o território do polvo Maleque com seus tentáculos cheios de ventosas. Espeto avisou aos companheiros que esperassem. Ele foi falar com Maleque pedindo licença para atravessar por suas águas porque precisava ajudar o amigo Tristão a levar um peixe desobediente para casa. Fazia isso como um favor - disse. Ouvindo a narrativa e como tinha muito apreço pelas amizades, o polvo consentiu que eles passassem sem problemas.
No terceiro dia de viagem chegaram a um lugar onde a água era azul da cor do céu. Havia tantos peixes pequenos reunidos. O lugar estava preparado para uma festa. Quando os pequenos peixes viram Espeto ficaram amedrontados. Ele era enorme e com aquele bico em forma de espada assustava mesmo. Tristão foi logo dizendo:
- Não se assustem. Espeto é de paz. Nós só estamos passando para levar o peixe-palhaço para casa. Estão comemorando o quê?
- O aniversário da medusa Lilinha. Não querem ficar para a festa? – convidou uma sardinha de escamas prateadas.
- Não. O caminho é longo e precisamos chegar logo. Adeus. – despediram-se os três.
Foram em frente. Nadaram e nadaram até que perceberam que a água do mar estava mais clara, mais quente. Dava até para ver o sol lá no céu. Olhos Brilhantes que até aquele momento não dissera nada, falou:
- Já estamos no Reino das Águas Tropicais e Subtropicais...
Nadou velozmente. Os outros dois foram atrás. De repente explodiu a gritaria:
- Pessoal, Olhos Brilhantes voltou para casa...
E todos vieram para receber o peixe-palhaço. A anêmona Sinhaninha veio abraçar o amigo com seus tentáculos e dizer-lhe o quanto ficara preocupada com o seu desaparecimento. Os pais do peixe nem podiam falar de tanta felicidade. Passados aqueles instantes de intensa emoção, Olhos Brilhantes apresentou seus dois amigos e salvadores, Espeto e Tristão. Houve uma grande festança em homenagem aos dois com um pedido especial de Olhos Brilhantes. Por que os dois não ficavam ali? Não era preciso haver separação. O mar é tão grande e tem lugar para todos, dizia o peixe-palhaço. Tanto o cavalo-marinho como o espadarte, os dois tinham famílias e por elas precisavam voltar.
No dia seguinte, já refeitos da longa viagem, os dois partiram felizes por terem trazido de volta para a família um ente que se desgarrou. Mas antes passaram um pito em Olhos Brilhantes:
- Peixinho teimoso, a obediência é uma virtude. De outra vez pode ser que não encontre ninguém para trazê-lo de volta.
11/12/06.
(histórias que contava para o meu neto).